A Guerra dos Semicondutores entre EUA e China

Em uma verdadeira batalha pela supremacia tecnológica, Estados Unidos e China se enfrentam em uma espécie de “corrida armamentista” pelo domínio dos chips. Esse é um setor que vai muito além da economia; é uma disputa que envolve segurança nacional, autonomia tecnológica e uma pressão sem precedentes sobre as cadeias de suprimento globais.

Essa guerra de chips envolve restrições comerciais, estratégias de independência tecnológica e pressões diplomáticas. Enquanto os EUA adotam medidas rigorosas para limitar o acesso da China a tecnologias avançadas, a China busca intensificar a produção nacional de semicondutores e reduzir sua dependência externa.

EUA e a Estratégia de Contenção da China

Quando os EUA decidiram restringir o acesso da China a tecnologias avançadas, eles visavam, sobretudo, bloquear o avanço chinês em áreas críticas como inteligência artificial e computação quântica. As regras de controle de exportação, em especial a Foreign Direct Product Rule (FDPR), que limita até mesmo produtos fabricados no exterior caso usem tecnologia americana, estão na linha de frente dessa estratégia. Isso é significativo porque empresas não americanas que usam tecnologia dos EUA em seus produtos também ficam limitadas – o que envolve grandes players europeus e asiáticos como a ASML, da Holanda, que domina o mercado de litografia ultravioleta extrema, essencial para a produção de chips de última geração. O objetivo declarado é evitar que a China avance rapidamente em tecnologias que possam beneficiar seu setor militar ou de vigilância.

No entanto, nem tudo são flores. Empresas americanas também têm sentido o impacto dessas medidas, e há uma preocupação real sobre até onde Washington consegue pressionar aliados, como Japão e Coreia do Sul, para aderirem à política de contenção. A política externa americana, apesar de ter conseguido limitar as vendas da ASML para a China, começa a enfrentar resistência de aliados que têm seus próprios interesses comerciais e receios de uma escalada na tensão econômica. O governo dos EUA também tem pressionado empresas americanas e estrangeiras para que encontrem fornecedores alternativos fora da China para seus componentes de semicondutores, visando criar uma cadeia de suprimentos menos dependente de empresas chinesas.

A Resposta da China: Autossuficiência Tecnológica

A resposta da China a esse bloqueio tem sido, no mínimo, ousada. Diante da escassez de equipamentos de ponta e dos embargos, Pequim acelerou investimentos em suas empresas de semicondutores, como a SMIC e a Yangtze Memory Technologies. A SMIC, por exemplo, conseguiu desenvolver chips de 7 nanômetros – uma conquista considerável, considerando que ela não tem acesso às máquinas avançadas da ASML. E isso mostra algo fundamental: enquanto a estratégia americana busca sufocar o desenvolvimento chinês, a China acelera seus esforços para criar uma cadeia de suprimentos independente.

Pequim tem investido pesado em inovação local e parcerias com nações da Ásia, ampliando sua rede de produção em lugares estratégicos como Singapura e Malásia. Essas parcerias são uma maneira inteligente de contornar parte das restrições. No entanto, empresas chinesas ainda enfrentam um longo caminho, já que avançar na produção de semicondutores sem os equipamentos mais avançados é um desafio colossal. Mesmo assim, eu acredito que essa movimentação será um impulso para a inovação interna da China, e, a longo prazo, pode representar um aumento da competitividade chinesa nesse setor estratégico.

Uma Análise do Impacto nas Cadeias Globais e o Futuro da Tecnologia

O que me parece inevitável é que essa guerra dos semicondutores deixa uma marca profunda nas cadeias de produção globais. Com os EUA tentando redirecionar o mercado para longe da China, várias empresas têm enfrentado aumentos de custos e complexidades na logística. Em termos práticos, isso significa que produtos tecnológicos podem se tornar mais caros e demorados para serem entregues – algo que certamente veremos se refletir no bolso dos consumidores e na estabilidade das indústrias que dependem desses chips, como a automobilística e a de dispositivos eletrônicos.

O curioso aqui é que muitos executivos de grandes empresas, como da Intel e da TSMC, têm expressado desconforto com a politização do setor. A TSMC, por exemplo, se viu em uma posição delicada com os planos de abrir uma nova fábrica no Arizona, nos EUA, ao mesmo tempo em que a empresa mantém uma grande parte de sua produção em Taiwan – uma região central para a política de segurança nacional tanto para os EUA quanto para a China. A Intel, por outro lado, também busca diversificar suas operações fora dos EUA, mas precisa seguir as orientações do governo americano para não se ver em desvantagem em contratos futuros e no desenvolvimento de tecnologias avançadas.

Recentemente, os EUA assinaram uma ordem executiva para restringir investimentos americanos em empresas chinesas ligadas a semicondutores, inteligência artificial e computação quântica. Em resposta, a China impôs restrições à exportação de metais críticos, como o gálio e o germânio, usados na fabricação de chips, aumentando a pressão sobre a cadeia de suprimentos global.

A volta de Donal Trump ao Poder e a Guerra dos Semicondutores

Com a volta de Donald Trump ao poder, a geopolítica dos semicondutores pode experimentar mudanças drásticas. Trump, que já criticou veementemente o apoio financeiro da administração Biden à TSMC (Taiwan Semiconductor Manufacturing Company) em Phoenix, é cético em relação ao subsídio de bilhões de dólares a empresas estrangeiras, especialmente de Taiwan. Ele sugeriu em diversas ocasiões que, para proteger a indústria de chips americana, seria mais sensato repensar esses incentivos financeiros e priorizar a fabricação doméstica, uma visão alinhada com seu lema de política econômica “America First” e com a competição tecnológica com a China.

O governo Biden lançou o CHIPS Act, destinando mais de 52 bilhões de dólares para fomentar a fabricação doméstica e minimizar o risco de interrupções geopolíticas, mas Trump e alguns aliados republicanos, como na época então senador JD Vance (futuro vice-presidente na era Trump 2) , criticam o programa. Trump afirma que Taiwan “roubou” negócios dos EUA e sugeriu que esses subsídios sejam revisados, o que causou reações de preocupação nos mercados e entre aliados comerciais.

A Intel, uma das maiores beneficiárias dos fundos do CHIPS Act, também enfrentou desafios com cortes de custos e demissões, gerando dúvidas sobre a eficácia da política atual. Trump, ao retomar a presidência, poderá renegociar esses contratos ou até implementar condições mais rigorosas para a concessão de incentivos, como a exigência de produção exclusivamente doméstica para algumas categorias de chips sensíveis.

Se a política de Trump para semicondutores seguir seu viés protecionista, ela provavelmente incluirá mudanças nos subsídios a empresas estrangeiras e maior pressão sobre Taiwan e aliados asiáticos, reforçando a independência dos EUA no setor. Isso pode levar a novas parcerias com fabricantes europeias, como a holandesa ASML, e a fortalecer alianças com empresas americanas para garantir que tecnologias críticas permaneçam sob controle doméstico. A política de Trump em semicondutores pode, assim, não só redefinir o cenário do setor, mas também pressionar empresas e governos estrangeiros a realinharem suas estratégias com os interesses americanos.

Reflexão 

Para o futuro, o que eu observo é uma tendência de fragmentação do mercado de semicondutores. A pressão dos EUA sobre os aliados e a resposta resiliente da China não apenas aumentam a complexidade para as empresas, mas também sinalizam um mundo onde blocos econômicos separados podem surgir, cada um tentando desenvolver suas próprias tecnologias. É interessante ver como isso contrasta com a ideia de globalização que dominava até poucos anos atrás.

Em uma era de “desglobalização tecnológica” a corrida pelos chips mostra que a tecnologia deixou de ser apenas um setor econômico para se tornar uma questão de poder. Quem dominar a produção e o desenvolvimento de semicondutores terá não apenas vantagens comerciais, mas influência geopolítica – e essa é a verdadeira batalha em jogo.

A guerra dos semicondutores é um claro reflexo de como a tecnologia agora molda a política global e de como as nações estão dispostas a investir para garantir sua autonomia. De minha parte, acredito que o caminho ainda será longo e repleto de reviravoltas.

No youtube existe um documentário muito interessante sobre o tema:

Fontes e leituras complementares:

Trump deve manter CHIPS Act, que oferece incentivos para fabricantes de chips – IT Forum

O que é a Lei CHIPS? | Conselho de Relações Exteriores

Como a China supera as sanções de chips dos EUA?

Trump pode descartar acordo com a TSMC, empresa por trás da enorme fábrica de chips Phoenix

Trump e Vance enviam mensagens contraditórias sobre a Lei CHIPS que alimentou o boom de semicondutores do Arizona

Trump critica a Lei CHIPS: “Tudo o que você precisa fazer é cobrar tarifas” – DCD

Por que os controles de exportação de semicondutores dos EUA saem pela culatra – The Diplomat

Interrupção da cadeia de suprimentos de semicondutores: desvendando o conflito comercial EUA-China | S&P Global

Sanções dos EUA transformam a China em um gigante da produção de chips – a produção saltou 40% no 1º trimestre de 2024 | Ferragens do Tom

Uma nova era para a indústria chinesa de semicondutores: Pequim responde aos controles de exportação – American Affairs Journal

Fabricantes de chips dos EUA pedem aos fornecedores que cortem laços com a China em meio a disputa comercial: explicado | Notícias do mundo – Business Standard

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