Eleições em Ditaduras: Uma Reflexão Sobre a Venezuela

Como esperar que uma eleição numa ditadura seja legítima? Não existe eleição verdadeira em uma ditadura. A Venezuela é um exemplo claro de um processo de destruição dos poderes e, principalmente, da tripartição dos poderes, algo frequentemente discutido aqui no blog (Montesquieu e a Tripartição dos Poderes: Fundamentos para a Democracia Moderna).

Hugo Chávez assumiu o poder em 1999, é importante lembrar. Nicolás Maduro tomou posse em 2013, seguindo a mesma ideologia ditatorial. O resultado da eleição era previsível. Não havia sentido em esperar que Maduro deixasse o poder pacificamente. Isso remete ao livro “Por que as Nações Fracassam” de Daron Acemoglu e James A. Robinson que apresenta uma teoria para explicar a desigualdade internacional: alguns países “fracassam” e são pobres, instáveis e possuem baixos padrões de vida, enquanto outros “sucedem” e são ricos, estáveis e possuem altos padrões de vida. 

Os autores argumentam que nações bem-sucedidas possuem instituições políticas e econômicas “abertas”, ou seja, livres, justas e acessíveis à sociedade como um todo. Essas instituições permitem que o poder político seja distribuído de forma pluralista, estabelecendo leis e ordem, os fundamentos de direitos de propriedade seguros e uma economia de mercado inclusiva. Por outro lado, nações que fracassam possuem instituições “exclusivas”, que concentram o poder nas mãos de poucos, incentivando a manutenção e o desenvolvimento de instituições econômicas “extractivas” que beneficiem apenas esse grupo de elite.

A teoria apresentada no livro sugere que as decisões tomadas por líderes e elites em pontos críticos da história de um país são fundamentais para determinar se ele seguirá um caminho de inclusão ou exclusão. A falta de oportunidades para o crescimento econômico e a distribuição desigual do poder político são fatores-chave que levam as nações a fracassar.

Retornando aos detalhes da ditadura venezuelana, surge a pergunta: para que serve uma eleição em uma ditadura? Por que Maduro permite eleições?

A Função das Eleições em Ditaduras

Eleições em ditaduras ajudam a fortalecer o ditador. Elas conferem a legitimidade que ele deseja. Passam a mensagem de que ele não está no poder por ter tomado à força, mas porque foi escolhido pelo voto. Dá a impressão de que a nação tem voz, de que existe uma democracia viva e pujante. Este é um ponto crucial que precisa ser compreendido. A realpolitik deve ser analisada com cuidado.

Uma votação popular, seja direta ou indireta, é apenas uma parte da democracia. Não representa todo o sistema de governo. Precisamos analisar o estado de direito, as instituições, o judiciário forte e independente, a imprensa livre e a situação econômica. Se considerarmos esses aspectos na Venezuela, todos eles estão em ruínas há muito tempo. Chávez, e posteriormente Maduro, implementaram uma agenda forte para destruir esses pilares.

A Realidade por Trás da “Democracia”

A eleição fraudada é apenas a ponta do iceberg. Todo ditador exerce controle total sobre as instituições e mantém esse poder através do medo, da força e da corrupção generalizada de seus comparsas. Toda a estrutura governamental é cúmplice do poder. O ditador precisa eliminar seus desafetos, invalidar seus opositores e reduzir tudo ao seu núcleo de confiança. Esse núcleo é composto por aqueles que se beneficiam financeiramente, que são protegidos por capangas e que estão envolvidos em assassinatos e na farsa de uma democracia de fachada. Fugir de problemas com traições é uma preocupação diária de um ditador.

O Núcleo de Poder em Ditaduras

Esse núcleo está sempre sob tensão. Ninguém está garantido. Existe um medo constante entre aqueles que estão ao redor do ditador. Os candidatos leais, que são testados frequentemente, temem perder suas posições. Esse é o funcionamento interno de uma instituição falida.

Apoio Internacional e Rejeição à Fraude

O ditador suspendeu a maioria dos voos internacionais restantes para o país. Enquanto isso, milhares de venezuelanos foram às ruas na noite de segunda-feira e terça-feira, exigindo respeito ao seu voto e derrubando várias estátuas de Hugo Chávez, aumentando os temores de uma repressão mais violenta do que as ocorridas na década de 2010, que resultaram em centenas de mortes.

Ao tentar compreender o comportamento de Maduro e prever os próximos acontecimentos, considero duas hipóteses principais: A primeira é que Maduro e seus aliados temem não apenas a perda do poder, mas principalmente a possibilidade de passarem o resto de suas vidas em uma prisão federal ‘Supermax’ nos Estados Unidos. Com várias autoridades, incluindo Maduro, enfrentando acusações nos tribunais americanos por narcotráfico e corrupção, além de documentados abusos de direitos humanos que poderiam ocupar Haia por uma década, é improvável que Maduro e seus apoiadores militares abandonem seus postos sem garantias de imunidade ou justiça transicional.

A segunda hipótese é que o chavismo sempre espelhou o modelo cubano, onde as autoridades mantiveram-se no poder reprimindo opositores, negligenciando a economia quando necessário e expulsando os descontentes por mais de seis décadas. Adotando uma perspectiva de longo prazo, à maneira de Havana, esta pode ser vista apenas como mais uma tempestade a ser superada.

As eleições na Venezuela são um exemplo claro de como ditaduras utilizam processos eleitorais para legitimar seu poder enquanto destroem as instituições democráticas. A luta pela democracia na Venezuela continua, e o apoio internacional é crucial para pressionar por mudanças reais.

Dentre diversos países e instituições internacionais que não reconhecem o resultado da eleição na Venezuela, trago a nota da OEA e ONU:

Organização dos Estados Americanos – OEA (link para a noticia aqui)

O Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos é a principal entidade das Nações Unidas no campo dos direitos humanos, através do OFFICE OF THE HIGH COMMISSIONER FOR HUMAN RIGHTS (chefe de Direitos Humanos da ONU), Senhor Volker Turk (link para a nota aqui):

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