É possível substituir o dólar no comércio mundial?
Você já ouviu falar sobre a ideia de tirar o dólar do centro do comércio internacional? É o que chamam de “desdolarização”. O presidente Lula, voltou a falar sobre isso em uma entrevista depois que os Estados Unidos anunciaram tarifas altas, de 50%, sobre produtos brasileiros. A proposta, que também é discutida por países como China, Rússia, Índia e África do Sul (os BRICS), é usar outras moedas no comércio entre nações, sem depender tanto do dólar. Mas será que isso é realmente possível? Vamos conversar sobre o que está em jogo, tanto no lado econômico quanto no político, e entender por que o dólar é tão dominante e se o mundo aceitaria uma nova moeda no seu lugar.
Por que o dólar é tão importante hoje?
Imagina que o dólar é como uma língua que todo mundo entende no comércio mundial. Ele é usado em quase 90% das transações internacionais e está presente em mais da metade das reservas que os países guardam nos bancos centrais. Por quê? Porque os Estados Unidos têm uma economia forte, mercados financeiros confiáveis e o dólar é aceito em qualquer canto do planeta. É como se fosse a moeda padrão para comprar petróleo, pagar dívidas ou negociar produtos.
Mas essa dependência tem um lado complicado. Quando os EUA decidem impor sanções, como fizeram com a Rússia, o dólar vira uma ferramenta de pressão. Além disso, países como o Brasil podem perder dinheiro com as variações do dólar. Por isso, alguns líderes, como Lula, querem mudar esse cenário.
Como o dólar virou a moeda mundial?
Para entender por que o dólar é tão poderoso, precisamos voltar no tempo, até 1944, quando o mundo ainda estava em guerra. Na conferência de Bretton Woods, nos Estados Unidos, 44 países se reuniram para decidir como organizar a economia global depois da Segunda Guerra Mundial. Naquela época, a Europa estava destruída, e os EUA eram a maior potência econômica, com uma moeda estável e muito ouro nas reservas (já falamos sobre isso aqui).
O acordo decidiu que o dólar seria a base do sistema financeiro mundial, ligado ao ouro (cada dólar valia uma quantidade fixa de ouro). Outras moedas, como a libra esterlina ou o franco francês, seriam atreladas ao dólar. Isso deu confiança para o mundo usar o dólar, já que ele era visto como “tão bom quanto ouro”. Em 1971, os EUA acabaram com essa ligação direta com o ouro, mas o dólar já era tão forte que continuou dominando, especialmente porque o petróleo e outras commodities eram negociados em dólares.
Hoje, essa história explica por que o dólar é tão difícil de substituir: ele tem uma rede de confiança, uso global e décadas de domínio (já falamos sobre isso aqui).
Como seria tirar o dólar do jogo?
Existem algumas ideias para fazer isso acontecer:
- Usar moedas locais: Em vez de pagar em dólares, o Brasil poderia vender carne ou soja para a China usando reais, e a China pagaria em yuan. Isso já está sendo testado em alguns acordos entre os dois países.
- Criar uma moeda para os BRICS: Outra proposta é inventar uma moeda nova, usada só entre Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Ela poderia ser baseada em ouro ou numa combinação das moedas desses países.
- Novos sistemas de pagamento: Hoje, a maioria das transações internacionais passa pelo SWIFT, um sistema dominado por bancos ocidentais. A China e a Rússia estão criando alternativas, como o CIPS e o SPFS, para escapar dessa dependência.
O que ganhamos com isso?
Se a desdolarização funcionar, há vantagens interessantes:
- Menos perdas com o dólar: Quando o dólar sobe ou desce, países como o Brasil sentem o impacto nos preços. Usar moedas locais pode evitar esse problema.
- Mais autonomia: Países sancionados, como a Rússia, poderiam negociar sem medo de bloqueios dos EUA.
- Fortalecer os BRICS: Esses países, que juntos têm quase 40% da economia mundial, ganhariam mais influência no cenário global.
Mas quais são os obstáculos?
Agora, vamos ser realistas: mudar algo tão grande quanto o uso do dólar não é simples. Aqui estão os principais desafios:
- O¶ dólar é rei por um motivo: Ele é confiável, fácil de usar e aceito em todo lugar. Outras moedas, como o yuan ou o real, não têm essa força. O yuan, por exemplo, enfrenta restrições porque a China controla muito sua moeda.
- Acordos complicados: Se o Brasil recebe yuan da China, mas não tem onde gastá-lo, essa moeda vira um problema. Isso pode acontecer em negociações entre países com mais exportações do que importações.
- Custo da mudança: Bancos, empresas e mercados do mundo todo estão acostumados a trabalhar com o dólar. Mudar isso levaria anos e muito dinheiro.
O lado político: o mundo aceitaria uma nova moeda?
A desdolarização não é só uma questão de dinheiro, é um grande jogo de poder. Vamos entender melhor como a geopolítica entra nessa história e se o mundo realmente abraçaria uma moeda nova como aceitou o dólar no passado.
Os Estados Unidos não vão facilitar
Os EUA têm muito a ganhar com o dólar no centro do mundo. Ele permite que o país financie seus gastos, mesmo com déficits altos, porque todos confiam na moeda. Além disso, o dólar é uma arma poderosa: com sanções, os EUA podem bloquear países como Irã ou Rússia de usarem o sistema financeiro global. Quando o BRICS começou a falar sobre desdolarização numa reunião no Rio, em 2025, o presidente americano, Donald Trump, reagiu rápido. Ele impôs tarifas de 50% sobre produtos brasileiros, citando não só a questão da moeda, mas também o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e práticas comerciais que ele chamou de “injustas”. Isso mostra que os EUA estão dispostos a usar o poder econômico para manter o dólar no topo.
Lula respondeu dizendo que o Brasil vai retaliar com base na Lei de Reciprocidade Econômica e levar o caso à Organização Mundial do Comércio (OMC). Mas o Brasil tem menos força que os EUA, que compram 12% do que exportamos e fornecem 15% do que importamos. Ou seja, mexer com o dólar pode trazer consequências pesadas, como tarifas ou até sanções.
O BRICS está unido o suficiente?
Os países do BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – têm uma meta em comum: menos dependência dos EUA. Mas, na prática, eles não pensam tão parecido. A China, por exemplo, quer que o yuan seja uma moeda global, mas o Brasil e a Índia têm outras prioridades, como proteger suas economias. A Rússia, que sofre com sanções, está mais desesperada para abandonar o dólar, mas sua economia é pequena, representando só 3% do PIB mundial. Criar uma moeda comum para o BRICS seria um desafio enorme: quem decidiria como ela funciona? Como garantir que todos confiem nela?
No passado, o dólar ganhou força porque os EUA eram uma potência clara, com uma economia estável e militar forte após a Segunda Guerra. Hoje, nenhum país do BRICS tem esse mesmo peso global sozinho, e o bloco, apesar de grande (40% da economia mundial), não tem a união política que os EUA tinham em 1944.
O resto do mundo aceitaria uma nova moeda?
Quando o dólar foi escolhido em Bretton Woods, o mundo estava em pedaços, e os EUA eram a única potência com força para liderar. Hoje, o cenário é diferente. Países aliados dos EUA, como Japão, Coreia do Sul e a União Europeia, dependem do dólar para comércio e investimentos. Eles não têm motivo para apoiar uma moeda nova, especialmente se vier de países como China ou Rússia, com quem têm tensões políticas. Por exemplo, a Europa já tem o euro, que é forte, mas nunca conseguiu rivalizar com o dólar globalmente porque é usado principalmente na região.
Países em desenvolvimento, como os da África ou da América Latina, guardam dólares para proteger suas moedas de crises. Trocar o dólar por algo como o yuan ou uma moeda do BRICS seria arriscado, porque essas moedas não têm a mesma confiança ou facilidade de uso. Imagine um país pequeno tentando pagar importações com uma moeda que ninguém aceita fora de um acordo com a China – não funciona tão bem.
E se compararmos com o dólar em 1944?
Na época de Bretton Woods, o mundo aceitou o dólar porque não havia muitas opções. A libra esterlina, que já foi a moeda global, estava enfraquecida pela crise do Reino Unido. Hoje, o dólar já está estabelecido, com uma rede gigante de bancos, mercados e contratos. Criar algo tão confiável quanto o dólar exigiria um nível de coordenação global que é difícil de imaginar agora, com tantas tensões entre países. Além disso, o dólar não é só dinheiro, é um símbolo do poder americano – militar, econômico e cultural. Substituí-lo exigiria não só uma moeda nova, mas uma mudança no equilíbrio de poder mundial.
Outros jogadores no tabuleiro
Além dos BRICS, outros países têm interesse na desdolarização, mas com limites. A Arábia Saudita, por exemplo, já considerou vender petróleo em yuan, o que seria um golpe grande no dólar, já que o petróleo é sempre precificado em dólares. Mas os sauditas têm laços fortes com os EUA, incluindo acordos de segurança, então é improvável que mudem tão cedo. A Índia, por sua vez, está promovendo a rupia, mas só em acordos regionais, porque sabe que não tem força para competir globalmente.
É possível no mundo de hoje?
No curto prazo, substituir o dólar completamente é quase impossível. Ele está em contratos, dívidas e mercados há décadas. Mas, aos poucos, algumas coisas podem mudar:
- Mais acordos em moedas locais: Brasil e China já estão fazendo isso, e outros países podem seguir o exemplo. Mais de 20 países já têm acordos para usar o yuan com a China.
- O yuan ganhando espaço: Se a China abrir mais sua economia e ganhar confiança global, o yuan pode crescer como alternativa, mas isso levaria décadas.
- Moedas digitais: Alguns falam em usar moedas digitais de bancos centrais, mas essa tecnologia ainda está começando e não é tão confiável quanto o dólar.
O que isso significa para o futuro?
A ideia de desdolarização, como defendida por Lula e pelos BRICS, mostra um desejo de maior independência econômica. Mas o dólar não é só uma moeda, é uma rede de confiança e poder que levou décadas para ser construída. Substituí-lo exigiria uma mudança enorme no jeito que o mundo funciona, algo que o BRICS, mesmo sendo poderoso, não consegue fazer sozinho hoje. As tarifas americanas de 2025 mostram que qualquer passo nesse sentido pode trazer retaliações, especialmente para países como o Brasil, que dependem do comércio com os EUA.
No longo prazo, se a China ou o BRICS conseguirem criar uma moeda confiável e sistemas financeiros próprios, o mundo pode começar a usar menos o dólar. Mas, diferente de 1944, quando o dólar entrou num mundo precisando de liderança, hoje ele já domina. Convencer o mundo a trocar o dólar por outra coisa seria como pedir para todos falarem uma nova língua global – possível, mas muito, muito difícil.
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