House of Huawei: a história secreta da empresa mais poderosa da China

Em março de 2000, o então presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, discursou empolgado sobre a entrada da China na Organização Mundial do Comércio (OMC). Ele enxergava um futuro promissor: um país cada vez mais aberto ao livre mercado “a liberdade se espalhará pelo telefone celular e pelo modem a cabo.” (já escrevemos sobre a abertura do mercado Chinês com ajuda dos EUA aqui).

Vinte anos depois, o que se viu foi a ascensão de um colosso tecnológico chinês que desafiou diretamente a supremacia tecnológica e econômica dos Estados Unidos. No centro dessa transformação está a Huawei, uma empresa que, ao longo das décadas, evoluiu de uma modesta fabricante de interruptores telefônicos para a gigante das telecomunicações mais avançada do mundo. Como isso aconteceu?

Essas são algumas das questões que Eva Dou explora em House of Huawei, um relato detalhado sobre a ascensão da empresa que se tornou “a mais poderosa da China”.

Mas espere aí. Como uma empresa que começou vendendo equipamentos de telefonia rural no fim dos anos 80 se tornou uma das maiores ameaças tecnológicas ao Ocidente? E o que essa história revela sobre a política industrial da China? Essas são perguntas que House of Huawei tenta responder.

Funcionários trabalham em uma linha de produção de telefones celulares da Huawei Crédito: Getty

Muito além de uma empresa: um projeto de país

Se você ainda vê a Huawei apenas como uma fabricante de celulares e roteadores, vale a pena olhar de novo. Poucas empresas são tão onipresentes pelas ruas chinesas. O que começou em 1987 como uma modesta fabricante de interruptores telefônicos se tornou uma das corporações mais poderosas da China — e um símbolo da ambição industrial do país. Mas a Huawei não é apenas uma gigante da tecnologia; ela é um reflexo da estratégia política e econômica de Pequim.

A história da empresa se confunde com a própria ascensão da China como potência global. Nos anos 1980, quando o país ainda era uma economia emergente, Ren Zhengfei, um ex-oficial do Exército de Libertação Popular, fundou a Huawei com um objetivo claro: reduzir a dependência de tecnologia estrangeira. O Ocidente dominava as telecomunicações, mas Pequim decidiu escrever suas próprias regras. O resultado? Três décadas depois, a Huawei não apenas liderava o desenvolvimento do 5G, como também ameaçava gigantes como Apple, Qualcomm e Ericsson.

Desde o início, porém, a rápida expansão da Huawei levantou suspeitas. Quando a empresa começou a investir em switches digitais mais sofisticados, um executivo ocidental comentou que o design parecia uma cópia direta de um modelo da AT&T. Mais tarde, a Cisco processou a Huawei, alegando que o código-fonte de seus roteadores não apenas imitava seus produtos, mas continha os mesmos bugs encontrados nos dispositivos da empresa americana. O processo foi arquivado depois que a Huawei alterou certas linhas de código, mas a polêmica persistiu.

Curiosamente, essas acusações não impediram que empresas ocidentais se aproximassem da Huawei. Nos anos 1990, a Motorola a incluiu entre seus clientes prioritários, enquanto a IBM forneceu consultoria estratégica para a companhia chinesa por mais de uma década. Ao mesmo tempo, a Huawei investia agressivamente em lobby nos EUA e na Europa. O almirante Bill Owens, ex-vice-presidente do Estado-Maior Conjunto dos EUA, chegou a representar a Huawei em sua tentativa de fechar um contrato com a Sprint em 2010. Além disso, a empresa cultivou relações com algumas das universidades mais prestigiadas do mundo, incluindo Oxford, Stanford e a Universidade da Califórnia, Berkeley.

Mas a grande questão que paira sobre a Huawei é: até que ponto o Partido Comunista Chinês (PCC) controla a empresa? Eva Dou investiga essa pergunta em House of Huawei e revela que assim como todas as grandes companhias chinesas, a Huawei mantém um secretariado interno do Partido. Esse comitê, segundo a autora, funciona como um departamento de recursos humanos paralelo, com poder para influenciar contratações e promoções de acordo com diretrizes políticas do governo chinês.

Ou seja, mesmo sob suspeitas de espionagem e práticas comerciais desleais, a Huawei conquistou espaço no Ocidente e cresceu exponencialmente. Mas quando seu avanço começou a incomodar de verdade, a reação veio com força. O que começou como uma disputa comercial se transformou em uma batalha geopolítica. E agora? O Ocidente ainda tem como barrar essa influência?

Funcionários na linha de produção da Huawei Technologies Co, em Dongguan, China — Foto: Qilai Shen/Bloomberg

E aí veio o choque com o Ocidente

Se você acompanhou as notícias nos últimos anos, sabe que a Huawei virou um dos principais alvos da guerra tecnológica entre EUA e China. Proibições, sanções, acusações de espionagem — de repente, o nome da empresa passou a estar no centro de um embate geopolítico. Mas a questão vai muito além de uma disputa comercial (já escrevemos sobre a guerra dos chips aqui)

A Huawei sempre tentou manter uma certa distância de Pequim. Ren Zhengfei, seu fundador, temia que se a empresa se tornasse parte da burocracia estatal, perderia sua agilidade e capacidade de inovar. Mas, sejamos realistas: nenhuma grande empresa de tecnologia no mundo consegue se manter completamente independente de seu governo—e com a Huawei não é diferente.

A verdade é que, em qualquer país, empresas do setor tecnológico acabam tendo que atender a demandas de segurança nacional. Nos Estados Unidos, por exemplo, os vazamentos de Edward Snowden revelaram como gigantes como Google e Microsoft foram obrigadas a cooperar com as autoridades. Se até empresas americanas enfrentaram essa realidade, o que dizer da Huawei, que opera sob um regime ainda mais centralizado?

Vários governos, incluindo os Estados Unidos, Japão e até a Alemanha no verão passado, proibiram ou restringiram o uso de equipamentos da Huawei, citando preocupações sobre os laços da empresa com o Partido Comunista Chinês e as forças armadas da China, além de acusações de práticas comerciais desleais, violações de sanções e outros temores. No entanto, mesmo sob essa forte pressão internacional, a Huawei continua a liderar os mercados globais em termos de vendas de equipamentos 5G.

Mas talvez o ponto de virada mais dramático tenha ocorrido em dezembro de 2018, quando a diretora financeira da Huawei, Meng Wanzhou, foi detida no Canadá a pedido das autoridades dos EUA. A detenção da executiva — que, vale lembrar, é filha do próprio fundador da empresa — foi um choque para Pequim. Em uma aparente retaliação, o governo chinês deteve dois cidadãos canadenses, Michael Spavor e Michael Kovrig.

Se antes o Ocidente olhava para a China como um aluno que copiava a lição de casa, hoje a situação se inverteu. Pequim não só aprendeu o jogo, como começou a mudar as regras.

House of Huawei não entrega respostas prontas — e esse é um dos seus méritos. Mas nos obriga a refletir sobre o que realmente está acontecendo.

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Fonte: Retorno de Meng Wanzhou à China e libertação de canadenses detidos põem fim ao ‘caso Huawei’ | Internacional | EL PAÍS Brasil / Huawei’s Meng Wanzhou flies back to China after deal with US / Meng Wanzhou, diretora da Huawei, reaparece seis meses após voltar à China – ISTOÉ DINHEIRO / Beijing has denied taking political hostages. Experts say the fates of two Canadians suggest otherwise | CNN / Michael Kovrig and Michael Spavor: China charges Canadians with spying

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