O Colapso do Governo de Bashar al-Assad: O Início de uma Nova Fase na Síria
É difícil não se impressionar com a magnitude dos eventos que tomaram conta da Síria nos últimos dias. Depois de décadas no poder, Bashar al-Assad e sua família enfrentam o colapso de um regime que parecia inabalável. Estamos vendo a historia moderna acontecer através da internet. Muitos videos, fotos e relatos em diversas fontes inundaram as redes com a forma acachapante que aconteceu a queda da dinastia Assad na Síria. Mas, para entender como chegamos a este ponto, é essencial revisitar a história da Síria e a ascensão da família ao poder. Vamos por partes.
Como a Família Assad Assumiu o Controle da Síria
A história do domínio da família Assad começa com Hafez al-Assad, pai de Bashar. Hafez não nasceu em uma elite poderosa; ele vinha da comunidade alauíta, uma minoria religiosa na Síria. Era um militar astuto que conseguiu ascender no Exército Sírio durante os anos de instabilidade política do país nos anos 1960. Vale lembrar que a Síria, naquela época, estava marcada por golpes de estado consecutivos – era quase impossível prever quem seria o líder na semana seguinte.
Em 1970, Hafez deu o golpe definitivo. Chamado de “Movimento Corretivo”, ele consolidou seu poder e começou a estruturar um regime autoritário. Ele transformou a Síria em um estado de partido único, com o Partido Baath no centro de tudo. Foi sob Hafez que a Síria se tornou o que podemos chamar de “regime dinástico moderno”. Ele governou por quase 30 anos, combinando repressão feroz, cultos de personalidade e, curiosamente, uma habilidade diplomática que fazia com que sua posição fosse sempre relevante no tabuleiro geopolítico do Oriente Médio.
Bashar al-Assad: O Herdeiro Relutante
Agora, vamos falar de Bashar. Aqui temos um elemento curioso: Bashar não era a primeira escolha para suceder Hafez. Esse papel estava reservado para seu irmão mais velho, Bassel al-Assad, um homem que era preparado para ser a face dura e militarizada do regime. Mas o destino interveio: Bassel morreu em um acidente de carro em 1994, deixando Bashar, que até então estava completamente fora do jogo político, como herdeiro.
E o que Bashar fazia até então? Ele era médico, especializado em oftalmologia, e estava vivendo uma vida relativamente tranquila em Londres, longe dos holofotes da política. É estranho pensar que um homem treinado para cuidar da visão das pessoas seria o escolhido para liderar um dos regimes mais brutais da região, mas foi exatamente isso que aconteceu.
Quando Hafez morreu, em 2000, Bashar assumiu o poder com 34 anos. Ele foi promovido no Exército rapidamente e teve sua idade ajustada pela Constituição Síria para que pudesse se tornar presidente. No início, ele tentou projetar a imagem de um reformista, mas logo ficou claro que o regime continuaria tão autoritário quanto antes – e talvez até mais violento.
Como Chegamos à Queda?
Voltando ao presente, a queda de Bashar al-Assad está diretamente conectada ao desgaste do regime desde o início da guerra civil em 2011. Os protestos começaram como parte da Primavera Árabe (ja escrevemos sobre aqui), um movimento que buscava reformas democráticas em todo o mundo árabe. Mas, na Síria, a repressão brutal transformou os protestos em uma guerra civil devastadora.
Nos últimos 13 anos, a Síria foi um palco para todos os tipos de conflitos: guerras por procuração entre potências internacionais (ja escrevemos sobre isso aqui), insurgências de grupos islamistas, e a constante luta de Bashar para manter o poder. A aliança com o Irã e o apoio militar da Rússia foram cruciais para sua sobrevivência até agora. No entanto, essa dinâmica começou a mudar recentemente (ja escrevemos sobre a divisão dos conflitos no oriente medio aqui).
Israel e o Papel na Crise
E é aqui que entra Israel na história. Ontem, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu fez uma declaração importante. Ele afirmou que as recentes incursões israelenses no território sírio foram um dos fatores que enfraqueceram ainda mais o regime de Assad. Netanyahu destacou que a presença iraniana na Síria, apoiada por Bashar, era um risco direto para a segurança de Israel. Por isso, os ataques israelenses visaram estruturas estratégicas do regime sírio e de seus aliados iranianos.
“Este é o início do fim de Assad”, disse Netanyahu em sua fala, mencionando que o isolamento do regime sírio e os ataques diretos ao território tornaram impossível para Bashar manter o controle. Israel, que frequentemente operava silenciosamente, agora parece estar assumindo um papel mais direto na geopolítica síria.
O Que Significa a Queda de Assad?
A queda de Assad não resolve o problema da Síria. Na verdade, cria um vácuo de poder que pode ser preenchido por forças ainda mais imprevisíveis (ja escrevemos sobre isso aqui). Quem assumirá o controle das áreas que eram governadas pelo regime? Como ficam as alianças de Irã, Rússia e Turquia, que tinham interesses estratégicos no país? E o povo sírio, que já sofreu tanto, finalmente verá alguma estabilidade?
Essas são perguntas que vão dominar os debates nos próximos dias. Para mim, o que fica claro é que a Síria nunca deixou de ser o coração dos conflitos do Oriente Médio.
O Que Vem a Seguir?
As próximas semanas serão cruciais para determinar o futuro da Síria. Israel certamente continuará monitorando de perto os movimentos das forças iranianas na região, enquanto países como Rússia e Turquia tentarão expandir sua influência sobre o que resta do território sírio. Por outro lado, a população civil, que já sofreu enormemente com o conflito, continua a ser a maior vítima dessa reconfiguração de poder.
Para nós que acompanhamos e tentamos compreender essa complexa história, fica uma pergunta inevitável: será que a queda de Assad marca o início de uma nova era de estabilidade para a Síria, ou apenas mais um capítulo em sua longa história de conflitos? Essa é uma questão que, infelizmente, ainda não tem resposta. Mas uma coisa é certa: o Oriente Médio nunca deixa de nos surpreender com suas reviravoltas imprevisíveis e lições históricas.
Fontes:
O ex-aliado da Al-Qaeda que derrubou o regime | Mundo | Valor Econômico
Na Síria, família Assad deixa o poder após mais de meio século de governo repressivo
Estátua de Hafez al-Assad é derrubada em Tartus, na Síria | CNN Brasil
Síria: quem são os rebeldes que tomaram o poder? – BBC News Brasil
Abu Mohammed al-Jawlani: quem é o rebelde sírio do grupo Hayat Tahrir Al-Sham? – BBC News Brasil
Assad e família estão em Moscou depois que Rússia concedeu asilo, dizem agências de notícias russas
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