O Oriente Médio, uma das regiões mais complexas e voláteis do mundo, não nasceu com as fronteiras que conhecemos hoje. Quando olhamos para o mapa atual, com seus diversos países e linhas de divisão, pode ser fácil esquecer que essas fronteiras foram desenhadas por mãos que nem sempre consideraram as realidades locais. Mas como chegamos a essa divisão que, até hoje, gera tantos conflitos? O que aconteceu historicamente para moldar essa geopolítica tão turbulenta?
Vamos voltar um pouco no tempo e entender o que está por trás desse cenário.
O Colapso do Império Otomano: O Início da Divisão
Quando pensamos na origem dessas fronteiras, o primeiro ponto crucial é o colapso do Império Otomano. Durante séculos, o Oriente Médio estava sob o domínio dos otomanos, que controlavam grande parte da região até o início do século XX. Mas a Primeira Guerra Mundial mudou completamente o tabuleiro. Ao final do conflito, em 1918, o Império Otomano estava em ruínas, e as potências europeias, principalmente o Reino Unido e a França, já de olho nos vastos territórios otomanos, viram a oportunidade perfeita para expandir suas esferas de influência.
Mas aqui entra a pergunta: por que essas potências europeias estavam tão interessadas no Oriente Médio? A resposta passa por uma mistura de interesses econômicos, estratégicos e geopolíticos. A descoberta de petróleo, no início do século, despertou um enorme apetite europeu pela região. Além disso, controlar esses territórios era uma maneira de garantir rotas comerciais e projeção de poder no cenário global.
O Acordo Sykes-Picot: Um Ponto de Virada
E então chegamos a 1916, com o famoso Acordo Sykes-Picot, uma negociação secreta entre Reino Unido e França que literalmente desenhou as fronteiras da região no papel, antes mesmo da guerra acabar. Dois diplomatas, Sir Mark Sykes (britânico) e François Georges-Picot (francês), traçaram linhas no mapa dividindo o Oriente Médio em zonas de influência europeias. A França ficaria com o controle do que hoje são partes da Síria e do Líbano, enquanto os britânicos assumiriam a Palestina, Jordânia e Iraque.
O grande problema desse acordo foi a total desconsideração pelas realidades locais. Tribos, grupos étnicos e religiosos que conviviam de forma relativamente estável sob o domínio otomano de repente foram separados por fronteiras artificiais. Pior ainda, muitas vezes inimigos históricos foram colocados dentro de um mesmo novo país. É aí que começa a origem de muitos dos conflitos que vemos até hoje.
Eu me pergunto: o que teria acontecido se as potências europeias tivessem levado em conta as realidades locais e as demandas dos povos do Oriente Médio? Será que a história teria sido diferente?
A Criação de Novos Estados
Após a guerra, a Liga das Nações, precursor da ONU, formalizou essa divisão através do sistema de mandatos. Isso significava que os britânicos e franceses administrariam essas novas regiões até que estivessem “prontas” para a independência. No papel, parecia uma ideia nobre, mas, na prática, era mais uma forma de controle colonial disfarçado.
A criação do Iraque, por exemplo, juntou três províncias otomanas muito diferentes entre si: uma sunita, uma xiita e uma curda (já escrevemos sobre sunitas e xiitas aqui). Desde o início, a coesão interna do país era frágil, algo que vemos claramente nos conflitos subsequentes, inclusive com a ascensão de Saddam Hussein e as guerras civis que ocorreriam mais tarde. A Síria também foi desenhada sem muito critério em relação às divisões étnicas e religiosas, criando uma panela de pressão que explodiria em várias guerras civis, inclusive a que ainda vivemos hoje.
Outro exemplo emblemático é a Palestina. Com a Declaração de Balfour em 1917, os britânicos prometeram criar um “lar nacional” para os judeus na Palestina, uma decisão que viria a ser o estopim de um dos conflitos mais longos e dolorosos da história contemporânea: a questão israelense-palestina.
A Geopolítica do Petróleo
O petróleo é outra peça fundamental para entender a geopolítica do Oriente Médio (já escrevemos sobre isso aqui). Na época da divisão da região, o Oriente Médio começava a revelar seu enorme potencial energético. Os britânicos, em particular, tinham grande interesse em garantir o controle das rotas e dos campos petrolíferos, especialmente no Iraque e na Arábia Saudita. O petróleo transformou o Oriente Médio em um campo de disputa entre potências globais e regionais, o que aumentou ainda mais as tensões.
Será que, sem o petróleo, a divisão do Oriente Médio teria sido tão disputada? É difícil imaginar que a região teria o mesmo peso geopolítico sem esse recurso valioso.
E o Direito Internacional?
Agora, uma questão interessante: como o direito internacional vê essa divisão e os conflitos subsequentes? O Acordo Sykes-Picot foi uma negociação secreta entre duas potências europeias, sem a consulta dos povos da região. Isso claramente vai contra o princípio de autodeterminação dos povos, algo que se tornaria central na Carta das Nações Unidas após a Segunda Guerra Mundial.
Mas, na prática, o direito internacional tem enfrentado enormes dificuldades para lidar com as questões do Oriente Médio. A criação de Israel, por exemplo, foi respaldada pela ONU em 1947, mas, ao mesmo tempo, a organização tem condenado repetidamente a ocupação de territórios palestinos. Isso revela um dilema no campo jurídico: como conciliar o direito de autodeterminação com a realidade geopolítica em uma região tão complexa?
Outro ponto importante é o envolvimento de potências estrangeiras em conflitos locais, o que levanta questões sobre soberania (já escrevemos sobre isso aqui). A invasão do Iraque pelos Estados Unidos, em 2003, por exemplo, foi amplamente criticada como uma violação do direito internacional, mesmo que os EUA tenham argumentado que estavam agindo em defesa própria e para promover a democracia. O que acontece quando o direito internacional é ignorado por grandes potências?
A divisão atual do Oriente Médio é o resultado de uma série de decisões geopolíticas tomadas no início do século XX, sem levar em conta as realidades locais e com uma grande dose de interesse econômico e estratégico. As fronteiras desenhadas naquele período continuam a ser uma fonte de conflitos, e o direito internacional, embora fundamental, muitas vezes é ignorado ou manipulado pelas potências globais.
Ao refletir sobre essa história, fico me perguntando: como seria o Oriente Médio hoje se as fronteiras tivessem sido desenhadas de forma diferente? Será que muitos dos conflitos atuais poderiam ter sido evitados? Essas perguntas ficam sem resposta, mas servem para nos lembrar de que a história da região é complexa e cheia de lições importantes.
Leituras complementares:
A construção ocidental do oriente médio como instrumentalização das relações internacionais
O Modelo Geopolítico do Oriente Médio
A arquitetura das guerras no Oriente Médio
Quais as razões para a violência endêmica no Oriente Médio e mundo muçulmano?
O Oriente Médio Antigo: eurocentrismo, deportação e ensino de história