Marcos Lisboa, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda do Brasil e economista renomado, afirmou que os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul e novos membros) são uma “fantasia sobre relevância” (link). Ele sugere que a importância atribuída ao bloco é exagerada, destacando que países como China e Índia têm peso global significativo individualmente, mas o grupo como um todo carece de coesão e impacto real. Vamos analisar essa provocação.
O que são os BRICS e quais são suas demandas?
Os BRICS não são um bloco econômico formal, como a União Europeia ou o Mercosul, mas um mecanismo de cooperação criado em 2009 (inicialmente como BRIC, com a África do Sul aderindo em 2011) para ampliar a voz das economias emergentes no cenário global. Suas principais demandas incluem:
- Reforma da governança financeira global: Os BRICS buscam maior representação em instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, que, segundo eles, são dominadas por potências ocidentais, especialmente os Estados Unidos.
- Redução da dependência do dólar: O grupo explora alternativas ao dólar americano no comércio internacional, como o uso de moedas locais ou o desenvolvimento de sistemas de pagamento próprios, evitando plataformas ocidentais como o SWIFT.
- Promoção do desenvolvimento: Por meio do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), os BRICS financiam projetos de infraestrutura e sustentabilidade em países membros e outras nações em desenvolvimento, como alternativa às instituições ocidentais.
- Defesa de um mundo multipolar: O bloco busca um ordem global mais equilibrada, reduzindo a dominância dos EUA e do Ocidente.
Por que essas demandas são importantes? Economias emergentes, como China e Índia, com populações de 1,4 bilhão cada, sentem que têm influência desproporcionalmente baixa em decisões globais em comparação com nações ocidentais menores.
Conquistas: O que os BRICS realmente fizeram?
Embora Lisboa questione a relevância do bloco, os BRICS alcançaram resultados concretos:
- Novo Banco de Desenvolvimento (NDB): Criado em 2014, com sede em Xangai, o NDB aprovou mais de US$ 32,8 bilhões para projetos em países membros e outras nações em desenvolvimento, focando em infraestrutura e sustentabilidade. Exemplos incluem energia renovável na Índia, infraestrutura ferroviária na África do Sul e sistemas de abastecimento de água no Nordeste do Brasil.
- Crescimento do comércio: Os BRICS respondem por 24% do comércio global. Em 2023, as exportações do Brasil para os BRICS (especialmente para a China) superaram as exportações para os EUA e a União Europeia juntos, com a China representando 84,5% das exportações brasileiras dentro do bloco.
- Expansão do grupo: Entre 2023 e 2025, os BRICS incorporaram Irã, Arábia Saudita, Egito, Etiópia, Emirados Árabes Unidos e Indonésia, além de 13 países parceiros, como Cuba e Vietnã, ampliando sua influência geopolítica.
- Sistemas financeiros alternativos: O bloco está explorando comércio em moedas locais e sistemas de pagamento alternativos para reduzir a dependência do dólar, embora uma moeda comum dos BRICS seja improvável devido a disparidades econômicas.
- Cooperação em saúde e ciência: Os BRICS colaboraram em pesquisas, como no combate à tuberculose, com altas taxas de cumprimento de compromissos (80–100% entre 2014 e 2018).
Realidade: Embora essas conquistas sejam significativas, elas não transformaram a governança global. O financiamento do NDB é relevante, mas menor que o do Banco Mundial ou FMI. Os esforços para reduzir a dependência do dólar avançam lentamente, e a influência do bloco permanece fragmentada em comparação com instituições ocidentais (já falamos disso aqui).
Poder Global: Qual é a real influência dos BRICS?
A influência global dos BRICS é considerável, mas desigual:
- Peso econômico: Os BRICS representam 31,5% do PIB global, superando os 30,7% do G7, e 45,2% da população mundial. Isso confere ao grupo um peso econômico e demográfico significativo.
- Influência geopolítica: O bloco inclui grandes produtores de energia (Rússia, Arábia Saudita) e consumidores (China, Índia), controlando 42% da produção global de petróleo. Isso os posiciona para influenciar mercados energéticos, especialmente ao resistir a sanções ocidentais.
- Poder brando: Os BRICS defendem os interesses do Sul Global, atraindo nações em desenvolvimento que buscam alternativas à dominância ocidental. A expansão do bloco reforça esse apelo.
- Limitações: Os BRICS não têm a coesão militar da OTAN ou a estrutura institucional da UE. Sua influência é mais econômica e simbólica do que unificada ou coercitiva. Lisboa destaca que China e Índia são os principais motores do peso do bloco, enquanto membros menores, como Brasil e África do Sul, têm impacto limitado individualmente.
PIB Global: Qual é a relevância econômica dos BRICS?
Os BRICS têm uma participação econômica expressiva:
- 31,5% do PIB global: Em 2023, o PIB combinado dos BRICS superou o do G7, com a China contribuindo com a maior parte (cerca de 17% do PIB global sozinha) e a Índia crescendo rapidamente.
- Crescimento projetado: Projeções indicam que, até 2030, os BRICS podem representar até 35–40% do PIB global, impulsionados pelo crescimento de China, Índia e novos membros.
- Comércio: Além de 24% do comércio global, os BRICS dominam setores como commodities (Brasil e Rússia) e manufatura (China). A China é o principal parceiro comercial de quase todos os membros.
Contexto da crítica de Lisboa: Embora os números sejam impressionantes, o PIB agregado mascara desigualdades. China e Índia concentram a maior parte do peso econômico, enquanto Brasil, Rússia e África do Sul têm economias menores e enfrentam desafios internos, como estagnação econômica (Brasil) ou sanções (Rússia).
Conflitos Internos: Rivalidades e Desafios
Os BRICS enfrentam tensões internas que limitam sua coesão:
- Rivalidades geopolíticas: Índia e China têm disputas territoriais na fronteira do Himalaia, o que gera desconfiança mútua. A Índia também busca se alinhar com os EUA em alguns contextos, enquanto a China mantém laços estratégicos com a Rússia.
- Interesses divergentes: A Rússia, sob sanções ocidentais, busca nos BRICS uma alternativa econômica, enquanto o Brasil prioriza exportações agrícolas e a África do Sul foca em desenvolvimento regional. Essas prioridades nem sempre convergem.
- Novos membros, novas tensões: A inclusão de Irã e Arábia Saudita, rivais históricos no Oriente Médio, pode complicar a tomada de decisões. A Arábia Saudita mantém laços com os EUA, enquanto o Irã é um adversário declarado do Ocidente.
- Desigualdades econômicas: A China domina o bloco economicamente, o que cria um desequilíbrio de poder. Países menores temem que suas vozes sejam ofuscadas.
- Falta de institucionalização: Diferentemente da UE, os BRICS não têm um tratado vinculante ou uma estrutura decisória robusta, o que dificulta ações coordenadas.
Impacto na relevância: Essas divisões reforçam a crítica de Lisboa de que os BRICS são mais uma coalizão de interesses individuais do que um bloco coeso. A falta de unidade impede que o grupo traduza seu peso econômico em influência política consistente.
Conclusão: Os BRICS são realmente uma “fantasia”?
A crítica de Marcos Lisboa tem fundamento, mas não conta toda a história. Os BRICS conseguiram avanços notáveis, como o NDB e a expansão do comércio, e seu peso econômico (31,5% do PIB global) é inegável. Eles representam uma voz importante para o Sul Global (já falamos disso aqui) e desafiam, ainda que parcialmente, a dominância ocidental. No entanto, as rivalidades internas, a dependência do peso de China e Índia e a falta de coesão institucional limitam seu impacto. Para quem não conhece os BRICS, é importante entender que o grupo é mais uma plataforma de cooperação com potencial do que uma potência unificada. O futuro dependerá de sua capacidade de superar divisões internas e traduzir seu peso econômico em influência geopolítica concreta.
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