Hoje, vamos mergulhar em um tema que pode chocar muitos brasileiros acostumados com o rigor do nosso Judiciário: a nomeação de juízes em alguns estados americanos. No Brasil, para ser juiz, é preciso ter diploma de Direito, aprovação na OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e vencer um concurso público altamente competitivo, com provas escritas, orais e títulos. É um processo que garante, em tese, profissionais altamente qualificados. Mas nos EUA, o federalismo permite que cada estado tenha regras próprias, e em muitos deles, juízes de instâncias inferiores – como os magistrados em tribunais locais – não precisam ser advogados formados ou licenciados. Vamos explicar isso e contrastar com o nosso sistema.
O Que São Magistrados nos EUA e Por Que Não Precisam de Formação em Direito?
Nos Estados Unidos, o sistema judiciário é descentralizado: há tribunais federais (nacionais) e estaduais (locais), e dentro dos estaduais, as regras variam enormemente de um estado para o outro. Os magistrados (magistrate judges) atuam em tribunais de primeira instância, lidando com casos menores, como audiências preliminares, pequenas causas civis, mandados de prisão e liberação de suspeitos sob fiança. Eles são como “juízes de porta de entrada” no sistema, resolvendo milhares de casos por ano, especialmente em áreas rurais ou de menor complexidade.
De acordo com análises de instituições como a Columbia Law Review, cerca de 32 estados americanos permitem que pessoas sem diploma de Direito se tornem juízes em tribunais inferiores, incluindo 17 estados onde isso se aplica até a casos de despejo (eviction cases). Outras fontes, como o Jotwell (um blog acadêmico de direito), confirmam que esse número é preciso, destacando que o objetivo é tornar a justiça mais acessível e barata em regiões com poucos advogados. Isso contrasta com os 28 estados que exigem formação jurídica para juízes de crimes menores (misdemeanors), mas mesmo nesses, há exceções para tribunais locais.
Por quê? Os EUA priorizam a “eficiência local” e o “common law” (direito baseado em precedentes e práticas comunitárias), em vez de uma formação acadêmica rígida. Think tanks como o Brennan Center for Justice, em Nova York, criticam isso em relatórios sobre seleção judicial, argumentando que juízes não formados podem levar a erros e desigualdades, especialmente em casos envolvendo direitos fundamentais. No relatório “Rethinking Judicial Selection in State Courts”, o centro aponta que sistemas com juízes eleitos ou nomeados sem critérios estritos – comuns em estados do Sul e Meio-Oeste – podem ser influenciados por política local, em vez de expertise legal. Já do lado brasileiro, análises comparativas, como o estudo “Análise Comparativa dos Sistemas Judiciários Brasileiro e Norte-Americano” da Universidade Ceub, destacam que nosso modelo inquisitorial (onde o juiz é ativo na busca da verdade) exige mais preparo técnico do que o adversarial americano (onde as partes litigam e o juiz arbitra). No Brasil, a Constituição de 1988 e a Lei Orgânica da Magistratura (Loman) impõem requisitos estritos para evitar amadorismo, algo que os EUA, com sua tradição de “justiça do povo”, toleram em níveis locais.
O Caso da Carolina do Norte: Requisitos Mínimos e um Exemplo Recente
Vamos focar na Carolina do Norte (North Carolina), um estado do Sudeste com cerca de 10 milhões de habitantes, onde o sistema de magistrados é um dos mais criticados por sua simplicidade. De acordo com o Código Geral de Estatutos da Carolina do Norte (NC General Statutes, Capítulo 7A, Artigo 16), para ser magistrado, basta:
- Ter pelo menos 21 anos de idade;
- Ser residente do distrito judicial há pelo menos 30 dias;
- Ser eleitor qualificado (cidadão americano, sem condenações graves);
- Completar um treinamento básico oferecido pela Escola de Governo da Universidade da Carolina do Norte (UNC School of Government), que inclui cursos sobre deveres civis e criminais – cerca de 40 horas iniciais, mais 12 horas anuais de atualização.
Não há exigência de diploma de Direito, experiência como advogado ou aprovação no exame da Ordem (bar exam). Isso é confirmado no site oficial do Judiciário da Carolina do Norte (nccourts.gov), que lista esses critérios para nomeação pelo governador ou eleição local. A ideia é preencher vagas rapidamente em tribunais sobrecarregados, mas críticos, como o ProPublica em investigações jornalísticas, alertam que isso resulta em juízes com “menos treinamento que barbeiros” em alguns estados, incluindo a Carolina do Norte.
Um caso recente ilustra os riscos. Em agosto de 2025, a magistrada Teresa Stokes, do condado de Mecklenburg (Charlotte), liberou sob fiança o suspeito Decarlos Brown Jr., um reincidente com 14 prisões anteriores por crimes como assalto e posse de arma. Brown, de 20 anos, foi solto apesar de violações de liberdade condicional. Dias depois, em 22 de agosto, ele esfaqueou fatalmente Iryna Zarutska, uma refugiada ucraniana de 32 anos, no bonde leve de Charlotte. Zarutska, mãe de dois filhos, estava nos EUA há apenas um ano fugindo da guerra. Brown agora enfrenta acusação de homicídio em primeiro grau.


Stokes não é listada como advogada licenciada no Barro da Carolina do Norte (ncbar.gov), o que indica que ela não passou no exame da ordem – comum para magistrados locais nesse estado. O caso gerou fúria política: o congressista republicano Tim Moore liderou uma carta assinada por 10 deputados da Carolina do Norte ao governador Roy Cooper (democrata), exigindo a remoção imediata de Stokes. “Libertar um criminão reincidente que comete um assassinato brutal é inaceitável”, escreveu Moore. A mídia local, como WCNC e Fox News, destacou que Stokes, nomeada em 2022, lida com centenas de decisões de fiança por ano, sem a expertise de um advogado formado.
Mais detalhes do assasinato: Horrid video of Ukrainian refugee Iryna Zarutska’s slaughter on Charlotte train is met with deafening silence / Iryna Zarutska murder suspect was free on cashless bail despite rap sheet
Diferenças com o Brasil: Eficiência vs. Garantia de Qualidade
No Brasil, imagine um juiz liberando um suspeito sem analisar precedentes ou leis complexas? Nosso sistema, regido pelo Código de Processo Penal e pela Constituição, exige que juízes sejam concursados pelos tribunais estaduais e federais, com pelo menos 3 anos de prática advocatícia após a OAB. Estudos comparativos, como o artigo “A Diferença entre a Cultura Judiciária Americana e Brasileira” no Jusbrasil, explicam que os EUA valorizam o “sistema adversarial”, onde o juiz é mais um árbitro neutro, permitindo leigos em papéis iniciais para agilizar. Já no Brasil, o juiz é investigador ativo, o que demanda formação profunda para evitar injustiças.
Think tanks brasileiros, como o Instituto Millenium, e americanos, como o Heritage Foundation (em relatórios sobre reforma judicial), debatem se esse modelo “leigo” dos EUA promove democracia local ou riscos à due process (devido processo legal). No fim, o caso de Stokes reacende o debate: em 2024, a Suprema Corte dos EUA (SCOTUS) revisou casos semelhantes em estados como a Carolina do Sul, onde 300 magistrados não são advogados e podem condenar a até 30 dias de prisão.
E você, leitor? Acha que o Brasil deveria flexibilizar os requisitos para juízes em comarcas pequenas, ou manter o rigor? Comente abaixo!
Mais detalhes: Non-Lawyer Judges in Devalued Courts – Courts Law / JUDGING WITHOUT A J.D. – Columbia Law Review / Análise comparativa dos principais elementos pertinentes ao processo de seleção e controle da atividade dos magistrados no Brasil e nos Estados Unidos / These Judges Can Have Less Training Than Barbers but Still Decide Thousands of Cases Each Year — ProPublica / Magistrates | UNC School of Government / Congressman Tim Moore Leads Letter Demanding the Removal of Judge Who Freed Suspect Prior to Charlotte Light Rail Murder | Representative Tim Moore / NC Republicans demand judge’s removal after murder of Ukrainian refugee | Fox News / Tim Moore urges judge’s removal after Charlotte stabbing | wcnc.com / A diferença entre a cultura judiciária americana e brasileira | Jusbrasil / Most magistrates in SC are not lawyers. That needs to change. • SC Daily Gazette / Broken Judicial Selection Systems Threaten the Fairness of State Courts / Should non-lawyer judges be sending people to jail? SCOTUS asked to review – Sixth Amendment Center / Magistrate Judge History | District of Maine | United States District Court / NYS Commission on Judicial Conduct / Job Bulletin /