BRICS E A DEPENDENCIA DO DOLAR

Os BRICS Conseguirão Desdolarizar Suas Economias?

Em meio a um cenário geopolítico cada vez mais volátil, com tensões comerciais, guerras comerciais e instabilidades globais, os governos buscam refúgios seguros para proteger suas economias. Um movimento particularmente notável vem da China, que tem aumentado suas compras de ouro de forma consistente. Não se trata de especulação de mercado, mas de uma estratégia de sobrevivência para os bancos centrais: diversificar reservas em ativos confiáveis como o ouro, que historicamente serve como porto seguro em tempos de turbulência.

A Dominação do Dólar nas Reservas Internacionais das Nações

De acordo com dados recentes do Banco Popular da China (PBOC), as reservas de ouro do país atingiram US$ 253,8 bilhões em agosto de 2025, representando cerca de 7,6% do total de reservas internacionais, que somam US$ 3.322 trilhões. Esse aumento reflete uma tendência clara de acumulação, como mostra o gráfico abaixo, elaborado com base em dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) e Bloomberg. Ele ilustra a evolução das reservas de ouro chinesas de 1977 a 2025, com um salto acentuado a partir de 2009, alcançando cerca de 74 milhões de onças troy (aproximadamente 2.300 toneladas) em agosto de 2025, com projeções de 80 milhões de onças troy até o final da década.

O gráfico destaca como as reservas de ouro de Pequim permaneceram estáveis e baixas por décadas, mas explodiram nos anos 2000, coincidindo com o enfraquecimento percebido da hegemonia do dólar americano. No entanto, aqui vai um ponto crucial: apesar dessa diversificação para o ouro, a China ainda mantém uma dependência significativa do dólar. Estima-se que cerca de 60% de suas reservas totais estejam denominadas em dólares americanos, com base em análises de composição de reservas estrangeiras (dados do FMI e relatórios do Departamento do Tesouro dos EUA). Isso equivale a mais de US$ 1,99 trilhão em ativos dolarizados – uma âncora que demonstra a confiança contínua na moeda dos EUA, mesmo em momentos de tensão geopolítica.

Os BRICS e a narrativa de “quebrar” o dólar

Essa realidade se estende aos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), grupo que frequentemente é citado como o grande desafiante ao dólar. Há uma narrativa popular, especialmente no Brasil, de que os BRICS estão determinados a “quebrar” a hegemonia do dólar, promovendo uma moeda comum ou pagamentos em moedas locais para acabar com o “privilégio exorbitante” dos EUA. Mas os dados contam uma história diferente: as reservas dos países do bloco são amplamente dolarizadas, refletindo o reconhecimento de que o dólar permanece como a moeda mais segura e confiável em cenários de instabilidade internacional.

Vamos aos números para desmistificar isso:

  • China: Como mencionado, ~60% em dólares, com ouro em apenas 7,6%.
  • Brasil: As reservas totais do Banco Central do Brasil (BCB) estão em torno de US$ 350 bilhões (agosto de 2025). A composição é majoritariamente em dólares (cerca de 70-80%, conforme relatórios do BCB e FMI), com euro e ouro representando frações menores. Apesar de iniciativas como o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), o real não substitui o dólar nas reservas.
  • Índia: Reservas de US$ 694 bilhões (agosto de 2025), com aproximadamente 70% em dólares, segundo dados do Reserve Bank of India (RBI) e COFER do FMI. O ouro é cerca de 10-12%, mas o dólar domina como ativo de liquidez.
  • Rússia: Aqui há uma exceção parcial – após sanções ocidentais, Moscou reduziu sua exposição ao dólar para cerca de 16-20% (estimativas de 2025, baseadas em relatórios do Banco Central da Rússia e FMI). No entanto, mesmo a Rússia mantém reservas totais de US$ 689 bilhões, com ouro subindo para 25% e maior uso de yuan chinês, mas sem abandonar completamente o dólar em transações globais.
  • África do Sul: Reservas de US$ 70 bilhões (agosto de 2025), com mais de 60% em dólares, conforme o South African Reserve Bank (SARB). O ouro é significativo (devido à produção local), mas não altera a dependência do dólar para estabilidade.

Coletivamente, os BRICS controlam cerca de 42% das reservas globais de bancos centrais (dados de 2024-2025 do FMI), mas o dólar ainda representa 58% das reservas alocadas mundialmente, incluindo as do bloco. Essa dolarização persiste porque o dólar é a moeda de referência para o comércio global, commodities e dívida externa. Em momentos conturbados – como as guerras na Ucrânia e Oriente Médio, ou as disputas EUA-China –, os emergentes correm para o dólar e o ouro, não para uma “moeda BRICS” hipotética.

Retórica x prática

A controvérsia sobre os BRICS “contra o dólar” é alimentada por discursos políticos, como as discussões sobre uma moeda comum no cume de 2024. Mas, na prática, iniciativas como pagamentos em moedas locais (ex.: yuan no comércio China-Brasil) são incrementais, não revolucionárias. Elas reduzem custos, mas não eliminam a necessidade de reservas em dólares para liquidez e proteção contra choques. Como mostram os dados vs. narrativas, quebrar a hegemonia do dólar é mais retórica do que realidade – pelo menos por enquanto.

Em resumo, o aumento das reservas de ouro da China é um sinal de cautela geopolítica, mas reforça a resiliência do sistema financeiro global ancorado no dólar. Para investidores e policymakers brasileiros, o foco deve ser em diversificação gradual, sem ilusões sobre um mundo pós-dólar iminente. Os fatos, não as narrativas, guiam a economia.

Mais detalhes: China’s foreign exchange reserves rise in August / China Foreign Exchange Reserves / BRICS Data / Is it a golden era for gold? | J.P. Morgan Private Bank U.S. / The Fed – The International Role of the U.S. Dollar – 2025 Edition / Building BRICS – Atlantic Council / Impact of intra-BRICS trade on the share of United States dollar in international reserve composition / South Africa Net Foreign Exchange Reserves (USD) / Information notice on the official gold and foreign exchange reserves of the South African Reserve Bank as at 31 August 2025 / International Reserves of the Russian Federation (End of period) | Bank of Russia / Countries With the Biggest Gold Reserves in 2025: Updated IMF & WGC Data | Brand Vision / India’s forex reserves rise $4.73 bn to $693.62 bn as of August 8 / Russia Foreign Exchange Reserves / External sector statistics BRASIL / Brazil Foreign Exchange Reserves / COFER / China’s central bank bought 2 tonnes of gold in August; demand is slowing but still supports long-term price uptrend. | Kitco News / China extends gold-buying streak as central banks seek US dollar alternatives | South China Morning Post /

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