Sede da Organização Mundial do Comércio em Genebra Foto: OMC/Reprodução

Sede da Organização Mundial do Comércio em Genebra Foto: OMC/Reprodução

OMC: O Comércio Global na Encruzilhada da Geopolítica?

Num tempo em que mercadorias atravessam mares e nações disputam mercados, a Organização Mundial do Comércio tenta segurar um sistema que balança na corda bamba. Desde 1995, ela organiza o comércio global, mas agora enfrenta uma crise que mistura rivalidades entre gigantes, como EUA e China, e dúvidas sobre sua própria sobrevivência. Como essa história começou? Quem tentou dar forma a essa ordem? E o que o Brasil, com suas fazendas e minas, pode esperar de um mundo onde as regras do jogo estão em xeque? A OMC é mais que uma instituição — é um espelho das tensões que movem o planeta.

De onde veio a OMC

Quando a Segunda Guerra acabou, o mundo queria deixar para trás o protecionismo dos anos 1930, que jogou a economia global num buraco. Em 1947, 23 países criaram o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, o GATT. Cordell Hull, ex-secretário de Estado americano, acreditava que mercados abertos traziam paz. John Maynard Keynes, com sua visão econômica, também ajudou a desenhar o caminho. O GATT era apenas um pacto, sem sede, mas em oito rodadas até 1994, cortou tarifas de 20% para 9%. Só que o comércio pedia mais: regras para serviços, patentes, disputas.

Em 1986, em Punta del Este, no Uruguai, a Rodada Uruguai abriu novas portas. Após sete anos de negociações, 123 países assinaram o Acordo de Marrakesh em 1994, criando a OMC. Peter Sutherland, com pulso firme, e Arthur Dunkel, paciente em costurar acordos, foram peças-chave. Em 1º de janeiro de 1995, a OMC começou a trabalhar em Genebra, com 128 membros, cuidando de 98% do comércio global. Era um esforço para trazer ordem a um sistema cheio de ambições e conflitos.

O que a OMC faz

A OMC reúne 166 países para negociar tarifas, criar regras e resolver brigas. Ela cuida de bens, serviços, patentes e investimentos, com um sistema de disputas que já julgou mais de 600 casos. Um exemplo é a vitória do Brasil contra os EUA, numa disputa sobre subsídios ao algodão, que rendeu US$ 829 milhões em compensações. Ngozi Okonjo-Iweala, que assumiu em 2021, tenta modernizar a organização, mas lida com um cenário difícil. Tudo depende de consenso, o que trava decisões quando um só país discorda — um detalhe que pesa cada vez mais.

O que está acontecendo agora

A OMC está numa encruzilhada. A Rodada Doha, lançada em 2001 para ajudar países pobres, desmoronou em 2008, com EUA, União Europeia, China e Índia em lados opostos. O sistema de disputas, que já foi um trunfo, parou em 2020, porque os EUA bloquearam novos juízes para o Órgão de Apelação. A China, que entrou em 2001, está no centro das tensões. Seus subsídios estatais e o status de “país em desenvolvimento” irritam os EUA, que veem as regras da OMC como incapazes de conter um modelo econômico tão diferente. Essa rivalidade entre Washington e Pequim não é só comercial — é um choque geopolítico que ameaça a própria ideia de multilateralismo, algo que já escrevemos aqui pelo blog.

Outro problema é o jeito como a OMC decide as coisas. Tudo depende de consenso, mas na prática, isso significa que um único país pode travar tudo. Muitos membros, incluindo o Brasil, defendem que a OMC deve ser “dirigida pelos membros”, o que limita a Secretaria a apenas seguir ordens. Enquanto isso, novos países, como Comores e Timor-Leste em 2024, entram, mas não mudam o equilíbrio. Quando olho para esse cenário, com a China subindo e os EUA questionando tudo, penso: como manter um sistema que depende de todos concordarem num mundo tão dividido?

Os EUA e a possibilidade de saída

Os EUA, que ajudaram a construir a OMC, agora a veem com desconfiança. Entre 2017 e 2021, Trump chamou a organização de “desastre” e ameaçou sair, dizendo que favorecia a China. Em abril de 2025, ele anunciou tarifas “recíprocas”, chamando o dia de “Liberation Day”, o que pode quebrar o princípio de nação mais favorecida da OMC, que exige tratamento igual a todos os membros. Alguns sugerem uma solução temporária: uma “cláusula de paz” até a conferência ministerial de 2026, para permitir acordos bilaterais com os EUA sem processos na OMC, enquanto se negocia algo maior.

Biden, desde 2021, não desfez o bloqueio ao Órgão de Apelação, e o governo Trump em 2025 pode simplesmente ignorar as regras, sem sair formalmente. Sair de vez exigiria aval do Congresso, algo difícil, já que empresas americanas, de fazendeiros a gigantes como Amazon, precisam das tarifas baixas da OMC. Mas o risco está aí: se os EUA se afastarem, o sistema multilateral pode ruir, deixando o comércio global numa selva de acordos bilaterais.

O Brasil no centro do jogo

O Brasil, com suas exportações de soja, carne e minério, depende da OMC para manter mercados abertos. A vitória na disputa do algodão mostrou o valor do sistema, mas os desafios crescem. A União Europeia pressiona com regras ambientais, exigindo que produtos brasileiros, como carne e soja, sigam padrões rígidos de desmatamento. A China, por sua vez, domina com preços que o Brasil não consegue igualar. Se os EUA se afastarem, tarifas podem subir, atingindo o Brasil, que já viu sua fatia no comércio global cair de 1,4% em 2008 para 1,2% em 2023. Acordos como UE-Mercosul, ainda travados, seriam uma saída? O Brasil precisa jogar com cuidado num tabuleiro que balança.

Mais detalhes: The WTO Stands at a “Whatever It Takes” Moment – Centre for International Governance Innovation / Dispute Settlement at the WTO: Now What? – Centre for International Governance Innovation / The WTO must face its “whatever it takes” moment | Article | Hinrich Foundation / WTO | About the organization / General Agreement on Tariffs and Trade – Wikipedia / Rodada Uruguai – Wikipédia / Histórico da Rodada Uruguai do GATT / Marrakesh Agreement / Brazil–United States cotton dispute – Wikipedia / EUA pagarão US$ 300 milhões por fim de disputa do algodão com Brasil / Rodada Doha / Liberation Day tariffs / Participação hoje do Brasil no PIB global é similar à do início do Plano Real | Brasil | Valor Econômico / Brasil cai e encerra 2024 como 10ª maior economia do mundo; veja ranking | CNN Brasil

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