Imagine um documento que decide onde você pode morar, estudar ou até trabalhar. Na China, isso existe e se chama hukou. É como um RG, mas com um poder enorme sobre a vida das pessoas. Ele divide os chineses em moradores de cidades ou do interior e define o que cada um pode fazer. Curioso, não é? Vamos explorar esse sistema de forma simples e descobrir como ele funciona.
O que é o hukou?
O hukou é um registro que todo chinês tem, como uma carteira de identidade que diz se você é do campo ou da cidade e de qual lugar exatamente. Ele surgiu nos anos 1950, quando a China precisava organizar sua população. O governo queria que as pessoas do interior continuassem produzindo comida, enquanto as cidades cresciam com indústrias. Então, criaram esse sistema para “ancorar” cada um ao seu lugar de origem.
Funciona assim: se você nasce numa vila rural, seu hukou é rural. Se nasce em Pequim, é urbano. E isso importa muito, porque o hukou decide se você tem acesso a escolas, hospitais ou moradia em certos lugares. Um exemplo? Um trabalhador do interior que vai para Xangai pode trabalhar lá, mas não tem os mesmos direitos que alguém com hukou da cidade. É como se ele fosse um visitante no próprio país.
Como isso afeta a vida dos chineses?
Agora, imagine milhões de pessoas vivendo com essas regras. Desde os anos 1980, muita gente deixou o campo para trabalhar em cidades grandes, como Shenzhen ou Guangzhou. São os chamados trabalhadores migrantes – cerca de 300 milhões em 2023, um número maior que a população inteira do Brasil! Eles constroem arranha-céus, fabricam celulares, mas não podem levar seus filhos para as escolas locais ou usar os melhores hospitais. Por quê? Porque o hukou deles é de outro lugar.
Pense em alguém como Wei, um jovem que deixa sua vila para trabalhar numa fábrica. Ele ganha dinheiro, mas não pode se “tornar” morador da cidade. Seus filhos, se ficarem com ele, estudam em escolas improvisadas para migrantes. Já quem tem hukou urbano vive com mais portas abertas. Estranho pensar que um papel pode criar diferenças tão grandes, não é?
De onde veio essa ideia?
O hukou nasceu numa época em que a China era bem diferente. Nos anos 1950, o país era mais rural, e o governo precisava garantir que o campo não ficasse vazio. O sistema foi uma forma de manter tudo sob controle: as pessoas ficavam onde eram “necessárias”. Mas ele também serviu para o governo saber onde cada um estava, como uma maneira de organizar a sociedade.
Hoje, com a China sendo uma potência global, o hukou ainda existe porque ajuda a evitar que as cidades fiquem superlotadas. Ele controla o fluxo de pessoas e mantém os custos baixos para o governo, já que migrantes não usam todos os serviços. Mas dá para imaginar o quanto isso deve ser frustrante para quem sonha com uma vida melhor na cidade.
Reformas e o futuro do hukou
Nos últimos anos, o governo chinês anunciou reformas para flexibilizar o hukou. Pequenas cidades começaram a facilitar a conversão de hukou rural para urbano, e algumas metrópoles, como Guangzhou, criaram sistemas de pontos: se você tem educação, emprego estável ou paga impostos, pode “comprar” um hukou urbano. Parece progresso, mas há um porém. As grandes cidades, como Pequim e Xangai, continuam extremamente restritivas, e o sistema de pontos favorece os mais ricos e educados.
Mas nas cidades grandes, como Pequim, as regras ainda são duras. Muita gente espera anos para tentar essa mudança, e nem todos conseguem. O governo diz que quer melhorar o sistema, mas parece que o hukou ainda é útil para manter as coisas “no lugar”.
Mais detalhes: Hukou Status and Children’s Education in China by Yue Sun, Liqiu Zhao, Zhong Zhao :: SSRN / A mobilidade do trabalho na China: o sistema de registro Hukou / Oferta do trabalho na China: O sistema Hukou e o paradoxo da escassez / SciELO Brasil – Hukou e migração na China: alguns apontamentos sobre divisão do trabalho Hukou e migração na China / UnB: O “velho” hukou na “nova” China urbana: reflexões sobre uma dualidade contemporânea