A data 17/09/2024 será mais um dia marcado na história dos ataques de espionagem e inteligência, perpetrados em um nível que supera qualquer roteiro hollywoodiano. Estive aguardando o momento certo para escrever sobre o tema que apresento hoje; no entanto, com o ataque aos pagers utilizados pelo grupo terrorista Hezbollah, vi-me obrigado a antecipar. E poucos episódios são tão emblemáticos quanto o roubo do caça MiG-21 iraquiano por Israel em 1966, uma operação audaciosa que envolveu o serviço secreto israelense, o Mossad, e mudou o equilíbrio de poder no Oriente Médio.
Para entender a relevância desse episódio, precisamos voltar no tempo e explorar o contexto histórico e os impactos desse ousado movimento israelense.
O Contexto Geopolítico dos Anos 60: O Oriente Médio em Chamas
A década de 1960 foi um período de alta tensão no Oriente Médio. Israel, cercado por inimigos em todas as frentes, estava em constante conflito com seus vizinhos árabes, especialmente o Egito, a Síria e o Iraque. A corrida armamentista na região estava em pleno vapor, com a União Soviética fornecendo armas avançadas, incluindo os temidos caças MiG-21, para os aliados árabes. Para Israel, entender as capacidades dessas aeronaves era crucial para sua própria sobrevivência.
Foi nesse cenário que surgiu uma das operações mais ousadas da história do Mossad: o roubo de um MiG-21 iraquiano. Mas como um pequeno país como Israel conseguiu executar um plano tão arriscado no coração de um de seus inimigos? E por que essa operação foi tão importante para a geopolítica da época?
A Operação “Diamond”: Espionagem, Sedução e Alta Velocidade
O plano, batizado de “Operação Diamond”, foi uma combinação de espionagem, sedução e alta estratégia. A chave para a operação foi o piloto iraquiano Munir Redfa, que estava insatisfeito com o regime em Bagdá e suas condições de trabalho. Aqui entra um detalhe: o Mossad usou uma de suas agentes mais habilidosas para se aproximar de Redfa. A agente, uma mulher treinada em operações de sedução e persuasão, conseguiu ganhar a confiança do piloto e, lentamente, o convenceu de que desertar para Israel seria sua melhor chance de uma vida melhor.
Essa abordagem é um exemplo clássico do modus operandi do Mossad: usar qualquer meio necessário para alcançar seu objetivo. Redfa foi levado secretamente a Israel para negociações, onde recebeu garantias de segurança para ele e sua família, que foram retirados do Iraque de maneira clandestina. Após meses de planejamento, em agosto de 1966, Redfa decolou de uma base militar no Iraque com seu MiG-21 e voou diretamente para Israel, aterrissando em um campo de aviação secreto.
Você consegue imaginar o que isso significou para o Iraque? Um piloto de confiança, com um dos aviões mais avançados do arsenal soviético, desertando para o inimigo jurado. Essa ação não apenas minou a moral das forças iraquianas, mas também forneceu a Israel informações técnicas preciosas sobre o MiG-21, que eram essenciais para o desenvolvimento de táticas de combate aéreo.
Impacto na Geopolítica e na Guerra dos Seis Dias
O acesso ao MiG-21 permitiu que Israel estudasse a aeronave em detalhes, o que foi crucial para garantir a superioridade aérea do país durante a Guerra dos Seis Dias em 1967. Com as informações obtidas, os pilotos israelenses puderam desenvolver estratégias eficazes para enfrentar os caças árabes, o que se mostrou um diferencial na rápida vitória israelense contra Egito, Jordânia e Síria.
Do ponto de vista geopolítico, a operação Diamond demonstrou o alcance e a sofisticação das operações de espionagem de Israel. Mais do que uma simples manobra militar, foi uma jogada que expôs a vulnerabilidade das forças árabes, que dependiam de tecnologia estrangeira e enfrentavam problemas internos, como a lealdade de seus próprios pilotos.
Será que esse tipo de ação ainda é relevante hoje? A resposta, sem dúvida, é sim. E isso nos leva ao papel atual do Mossad e como ele continua a operar nas sombras para garantir a segurança de Israel.
O Mossad Hoje: A Continuidade da Guerra Secreta
Essa história parece distante, mas reflete uma prática que continua a ser relevante: as operações secretas do Mossad. Hoje, o cenário é outro, mas as ameaças permanecem. Em vez de caças MiG, o foco é no Irã e seus aliados, como o Hezbollah, um grupo militante xiita baseado no Líbano. A guerra que antes era travada com aviões agora é feita com ataques cibernéticos, drones e operações encobertas.
O que aprendemos com o roubo do MiG-21 é que a espionagem não é apenas sobre coleta de informações, mas sobre moldar os resultados estratégicos dos conflitos. Recentemente, temos visto uma série de ataques misteriosos contra instalações nucleares no Irã e operações cirúrgicas contra líderes do Hezbollah, Hamas e de outros grupos hostis a Israel. Tudo isso levanta a mesma questão: até que ponto as operações secretas moldam o futuro das relações internacionais?
O Direito Internacional e as Linhas Difusas da Guerra Secreta
Essa história também nos leva a refletir sobre as implicações legais dessas ações. Afinal, como o direito internacional enxerga essas operações clandestinas? A questão é complexa. De um lado, há a soberania dos estados e o respeito às fronteiras; de outro, há a realidade de que países, especialmente aqueles como Israel, veem essas ações como essenciais para sua sobrevivência.
As operações do Mossad, como o roubo do MiG-21, não são tecnicamente ataques diretos, mas violam claramente a soberania de outras nações. No entanto, para muitos, essas ações são vistas como uma defesa necessária contra ameaças existenciais. Até que ponto podemos julgar essas práticas? Seriam elas justificáveis em nome da segurança nacional? Ou seriam violações que precisam ser contidas?
O roubo do MiG-21 é um lembrete de como a espionagem e as operações secretas moldam o cenário geopolítico de maneiras que raramente vemos nas manchetes. Elas são a ponta invisível de um conflito que nunca para. E quando olhamos para o mundo atual, com suas tensões constantes entre Israel e seus inimigos, percebemos que o passado e o presente estão mais conectados do que imaginamos. O que será que o futuro reserva para essas guerras sombrias?
Essa é uma questão que, como analista, continuo a ponderar. A espionagem, ao contrário das batalhas convencionais, nunca tem um fim definitivo, apenas novos capítulos. E cabe a nós tentar decifrá-los.