Quando se fala em Hezbollah, muitas vezes o grupo é associado a imagens de conflito no Oriente Médio, especialmente a tensão com Israel. Mas o Hezbollah é muito mais complexo do que uma simples organização militante. Fundado em 1982 no Líbano, o grupo tem ramificações que vão além da resistência armada. Ele se tornou um ator central não só no cenário militar, mas também na política libanesa e nas intrincadas alianças regionais do Oriente Médio.
A Fundação e os Fundadores do Hezbollah
Para entender o Hezbollah, precisamos voltar à sua fundação, em 1982, durante a invasão israelense do Líbano. O grupo surgiu como uma resposta à ocupação israelense no sul do país e como uma extensão da Revolução Islâmica do Irã, ocorrida em 1979. O Hezbollah tem raízes no xiismo, e seu apoio direto do Irã o conecta ao pensamento revolucionário de Ruhollah Khomeini, líder da Revolução Islâmica. É essa conexão com o Irã que molda grande parte das estratégias e do financiamento do grupo.
Seu primeiro líder foi o clérigo xiita Subhi al-Tufayli, mas, em 1992, ele foi substituído por Hassan Nasrallah, que continua sendo a figura mais proeminente do Hezbollah até hoje. Sob a liderança de Nasrallah, o Hezbollah expandiu suas operações e sua influência, tanto militar quanto política. Ele se tornou o rosto do grupo, uma figura carismática que consegue transitar entre discursos de resistência e negociação política.
A Hierarquia do Hezbollah
Um aspecto que considero distintivo no Hezbollah é a sua estrutura organizacional.. Diferente de muitos grupos militantes que são caóticos e descentralizados, o Hezbollah possui uma hierarquia bem definida. No topo, está o Conselho Consultivo, liderado por Nasrallah. Abaixo desse conselho, existem subdivisões que cuidam de várias áreas do grupo, como o braço militar, o braço político e a ala social, que opera instituições de caridade, escolas e hospitais.
É interessante observar que o Hezbollah tem uma organização que se assemelha mais a um Estado paralelo do que a um grupo rebelde comum. Isso fica claro quando olhamos para as suas operações no Líbano: eles administram áreas inteiras, fornecendo serviços que o próprio governo libanês não consegue oferecer. Será que isso explica, em parte, a popularidade do grupo entre a população xiita do Líbano?
Reivindicações e Motivações
O Hezbollah sempre se apresentou como um movimento de “resistência” contra a ocupação israelense no sul do Líbano. E, de fato, foi essa luta que consolidou a sua posição militar no país. Após a retirada de Israel do sul do Líbano em 2000, o grupo passou a reivindicar também as chamadas “Fazendas de Shebaa”, um pequeno território disputado entre Israel, Líbano e Síria. Esse território se tornou o símbolo da continuação da resistência armada do Hezbollah contra Israel.
Mas será que essa luta contra Israel é o único motivo por trás das ações do Hezbollah? Ou há algo mais complexo por trás das suas operações, como sua aliança estratégica com o Irã? O Hezbollah também tem sido um braço avançado da política iraniana no Oriente Médio, especialmente em sua rivalidade contra a Arábia Saudita. É uma extensão da guerra de influências entre xiitas e sunitas, com o Hezbollah representando os interesses do bloco xiita liderado por Teerã.
Alianças Geopolíticas
Geopoliticamente, o Hezbollah está profundamente alinhado com o Irã. O grupo recebe financiamento, treinamento e armas de Teerã, e, em troca, atua como um representante dos interesses iranianos no Oriente Médio. Um exemplo claro disso é a participação do Hezbollah na Guerra Civil Síria. O grupo enviou combatentes para apoiar o regime de Bashar al-Assad, aliado de longa data do Irã. Essa intervenção foi crucial para a sobrevivência do governo sírio e mostrou a capacidade do Hezbollah de atuar além das fronteiras libanesas.
É curioso pensar em como um grupo que começou como uma milícia de resistência contra a ocupação israelense se tornou uma peça-chave na complexa teia de alianças e conflitos do Oriente Médio. Será que, sem o apoio iraniano, o Hezbollah teria a mesma força que tem hoje?
Tentáculos na Política e Economia
Outro ponto que não podemos ignorar é a influência do Hezbollah na política interna do Líbano. O grupo faz parte do parlamento libanês desde 1992 e tem ministros no governo. Ele é capaz de usar sua força política para bloquear decisões que contrariem seus interesses, o que muitas vezes paralisa o governo libanês. Isso levanta uma pergunta: como um grupo que começou como uma organização militar conseguiu se integrar tão profundamente na política de um país?
Além disso, o Hezbollah também tem tentáculos na economia. Eles administram empresas, instituições de caridade, escolas e hospitais no Líbano, o que lhes garante uma base de apoio popular. Mas há também denúncias de envolvimento do grupo em atividades ilícitas, como o tráfico de drogas e armas, o que ajuda a financiar suas operações militares.
O Poderio Militar do Hezbollah
O que realmente impressiona no Hezbollah é o seu poderio militar. Desde a sua fundação, o grupo investiu pesadamente em suas capacidades militares, tornando-se um dos atores armados mais formidáveis do Oriente Médio. Não estamos falando apenas de uma milícia; o Hezbollah é uma força militar altamente organizada e bem treinada, que muitos acreditam ser mais poderosa do que o próprio Exército do Líbano.
Uma das razões por trás dessa força militar é o apoio direto do Irã. O Hezbollah recebe financiamento, treinamento e armamento avançado da Guarda Revolucionária Iraniana, incluindo mísseis de longo alcance e sofisticados sistemas de defesa. Estima-se que o grupo possua entre 20.000 e 30.000 combatentes ativos, muitos dos quais são veteranos de conflitos como a guerra civil na Síria, onde o Hezbollah lutou ao lado das forças de Bashar al-Assad.
Agora, ao comparar o poder militar do Hezbollah com o do Exército do Líbano, fica claro o abismo entre as duas forças. O Exército libanês, apesar de ser a força oficial do país, possui limitações significativas, tanto em termos de equipamento quanto de financiamento. Isso ocorre em grande parte devido à complexa política libanesa, que impede que o Exército tome posições firmes que possam desagradar a algum dos grupos políticos, incluindo o próprio Hezbollah.
No contexto regional, o Hezbollah também se destaca quando comparado com forças militares de outros países do Oriente Médio. Em termos de armamento não convencional, como mísseis balísticos e drones, o Hezbollah supera muitas das forças armadas da região, incluindo aquelas de países como Jordânia ou até mesmo o Egito. Porém, quando comparado com exércitos como o de Israel, o poder militar do Hezbollah, embora significativo, ainda não está à altura de uma força tão avançada em termos de tecnologia e capacidade de combate.
No entanto, o Hezbollah compensa essa diferença com táticas de guerrilha eficazes, o conhecimento do terreno e uma rede de túneis e bases subterrâneas no sul do Líbano. A Guerra de 2006 entre Israel e Hezbollah mostrou que, apesar da imensa superioridade militar israelense, o Hezbollah conseguiu manter uma resistência prolongada, utilizando táticas assimétricas e mísseis de médio alcance.
Isso nos leva a questionar: como um grupo militante, sem a estrutura de um Estado formal, consegue ter uma força militar mais organizada e eficaz que a de muitas nações da região? E mais importante, qual é o custo dessa militarização para o Líbano e o equilíbrio de poder no Oriente Médio? Essas são questões centrais para entender o impacto do Hezbollah na geopolítica atual.
A Batalha Contra Israel
Por fim, não podemos falar sobre o Hezbollah sem mencionar sua longa batalha contra Israel. Desde sua fundação, o grupo tem travado diversos confrontos com as forças israelenses, o mais significativo sendo a Guerra de 2006, que durou 34 dias e resultou em uma devastação massiva no Líbano. O Hezbollah se apresentou como vitorioso após o conflito, simplesmente por ter resistido ao poder militar israelense.
Mas, qual é o verdadeiro objetivo dessa luta? A destruição de Israel, como o grupo já declarou em vários momentos? Ou trata-se mais de uma estratégia para manter sua relevância política e militar no Líbano e na região? Essas perguntas permanecem no ar, e a resposta provavelmente envolve uma mistura de ideologia, pragmatismo político e influência externa.
O Hezbollah é um grupo complexo que desafia categorizações simplistas. Ele é, ao mesmo tempo, uma organização militar, um partido político, uma rede de serviços sociais e um ator geopolítico com alianças regionais profundas. Sua luta contra Israel é apenas uma parte de sua história, que está ligada a questões muito maiores, como a rivalidade entre Irã e Arábia Saudita, e as tensões entre xiitas e sunitas no Oriente Médio.
Será que o Hezbollah pode algum dia se desvincular de suas raízes militantes e se transformar em um ator puramente político? Ou sua identidade está tão entrelaçada com a resistência armada que isso nunca será possível? O que fica claro é que o Hezbollah continuará a desempenhar um papel central na política e nos conflitos do Oriente Médio por muitos anos ainda.