Democracia e a China: Uma Reflexão Sobre Sistemas Políticos em Pleno Funcionamento

 

Há uns dias, recebi um e-mail de um leitor sobre o texto que escrevi, Democracia: o ‘Deus’ que que falhou?. No e-mail, ele levantava uma questão: “Se você questiona a democracia, qual é a alternativa? Estamos falando de algo utópico ou de algo que realmente poderia funcionar?” Primeiro, quero agradecer pelo questionamento. É exatamente esse tipo de interação que dá vida aos textos que escrevo. É sempre um prazer quando os leitores participam e trazem novas perspectivas, mesmo quando me colocam em um aperto filosófico.

Foi com essa pergunta em mente que decidi abordar a China moderna neste texto. Afinal, a China oferece um exemplo curioso para pensar sobre o que Hans-Hermann Hoppe critica na democracia e o que ele sugere como alternativa. Não, a China não é um exemplo direto das ideias libertárias de Hoppe, mas é um sistema que foge à lógica democrática tradicional, com particularidades técnicas, burocráticas e históricas que o tornam fascinante – e, para muitos, desconfortável de aceitar.

O Sistema Político Chinês: Um Modelo em Funcionamento

Primeiro, é importante destacar que a China não é uma democracia no sentido ocidental da palavra. Não há eleições abertas para o governo central, e o Partido Comunista Chinês (PCC) detém o monopólio do poder. Isso é indiscutível. No entanto, o que chama a atenção é como esse modelo centralizado opera, não como um caos autoritário desordenado, mas como uma estrutura burocrática extremamente eficiente – ao menos, no que diz respeito à manutenção do poder e ao crescimento econômico.

O sistema chinês é baseado em uma meritocracia política dentro do PCC. Para ascender aos altos cargos de liderança, é preciso passar por uma espécie de “carreira pública interna”, onde os candidatos são avaliados em critérios como eficiência administrativa, experiência e lealdade ao partido. É quase como um sistema corporativo, mas aplicado ao governo. Esse tipo de estrutura hierárquica e organizada, por mais que não seja democrática, gera uma continuidade de políticas e um planejamento de longo prazo que se alinha com algumas das críticas de Hoppe à democracia.

Lembre-se: Hoppe argumenta que a democracia incentiva o curto prazo, já que os líderes são eleitos por períodos limitados e precisam agradar eleitores imediatos. A China, por outro lado, tem uma abordagem de planejamento de décadas, como os famosos Planos Quinquenais, que moldam a economia e a infraestrutura do país com uma visão de futuro que ultrapassa gerações.

Burocracia, Eficiência e Controle

Um dos pilares do governo chinês é o controle minucioso sobre quase todos os aspectos da vida pública e econômica. Isso inclui desde a administração de grandes projetos de infraestrutura até a gestão de recursos naturais e a fiscalização sobre empresas nacionais e estrangeiras. Esse nível de centralização é impensável em democracias ocidentais, onde o poder é mais fragmentado e a oposição política pode bloquear medidas do governo.

Mas a pergunta que surge é: essa eficiência centralizada seria uma alternativa válida à democracia? Ou estamos olhando para um modelo que só funciona devido às especificidades culturais e históricas da China? Hoppe critica a fragmentação do poder em democracias, argumentando que ela frequentemente resulta em políticas ineficazes. O modelo chinês, com toda sua rigidez, não sofre desse problema. As decisões são tomadas rapidamente, e os projetos nacionais avançam com uma velocidade impressionante. No entanto, isso vem ao custo de liberdades individuais, algo que Hoppe, como libertário, jamais defenderia.

A História Moderna da China: O Caminho Até Aqui

A China moderna começou a tomar forma em 1949, com a vitória de Mao Zedong e a fundação da República Popular da China. O país passou por décadas de tumultos econômicos e sociais, incluindo o Grande Salto Adiante e a Revolução Cultural, que causaram enormes perdas humanas e materiais. Foi apenas nos anos 1980, sob a liderança de Deng Xiaoping, que o país iniciou sua abertura econômica, sem, no entanto, abandonar o controle político centralizado (ja escrevemos sobre isso aqui).

Essa mistura de economia de mercado com controle estatal – que muitos chamam de “socialismo com características chinesas” – é única. A China conseguiu se tornar a segunda maior economia do mundo, enquanto mantinha um sistema político rigidamente centralizado. Será que esse modelo é sustentável? E, mais importante, ele desafia as premissas ocidentais de que a democracia é o único caminho viável para o desenvolvimento?

Hoppe e a China: Conexões e Contradições

Como a visão de Hoppe dialoga com o modelo chinês? Por um lado, o governo chinês parece dar razão a algumas de suas críticas à democracia. A China não precisa lidar com ciclos eleitorais curtos, populismo ou políticos pensando apenas no presente. Seu sistema permite uma estabilidade e continuidade que democracias frequentemente falham em alcançar.

Por outro lado, o controle absoluto do Estado sobre a vida individual na China vai na contramão de tudo o que Hoppe defende. Para ele, a solução seria um modelo descentralizado, baseado em contratos voluntários e propriedade privada, algo que está a anos-luz do sistema chinês.

A China É Uma Alternativa?

É importante lembrar aos leitores que o modelo chinês não é uma utopia. Ele funciona dentro de suas próprias particularidades culturais e históricas, mas não pode ser facilmente exportado. Há problemas sérios, como a falta de transparência, a censura e a repressão a dissidências políticas. Mesmo assim, a China moderna nos força a pensar sobre a viabilidade de sistemas alternativos à democracia liberal ocidental.

Então, volto à pergunta do leitor que motivou este texto: existe uma alternativa prática à democracia? A resposta, acredito, depende do que você valoriza mais: eficiência ou liberdade? Continuaremos a debater essa questão, mas, por enquanto, a China permanece como um exemplo vivo de que ideias fora do espectro democrático tradicional podem funcionar – pelo menos dentro de um contexto muito específico.

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