América Latina: um conceito inventado para um jogo geopolítico

Você sabe o que significa, de fato, ser latino-americano? A gente cresce ouvindo que fazemos parte da América Latina, um bloco de países que compartilha língua, cultura e até uma suposta identidade comum. Mas será que essa ideia sempre existiu? Ou foi criada para servir a interesses específicos?

A verdade é que o conceito de América Latina não surgiu naturalmente, como se fosse um fato óbvio da geografia ou da história. Pelo contrário, ele foi construído — e, como toda construção, teve um propósito. Esse termo começou a ganhar força no século XIX, impulsionado por intelectuais franceses, espanhóis e até mesmo pelos próprios latino-americanos, como uma tentativa de unificar os países de língua latina (principalmente os que falavam espanhol e português) frente à crescente influência dos Estados Unidos.

Mapa da America do Sul datado de 1565.

A América Latina contra o pan-americanismo

No meio do século XIX, os Estados Unidos já começavam a se enxergar como líderes do continente. A Doutrina Monroe, lançada em 1823, dizia basicamente: “A América para os americanos”. Mas, na prática, o que isso significava? Que os EUA não queriam interferência europeia no continente, mas também que eles próprios estavam dispostos a expandir sua influência política e econômica sobre os países vizinhos.

Para sustentar essa posição, veio a ideia do pan-americanismo, um conceito que defendia a união de todas as nações do continente americano — mas sob a liderança dos Estados Unidos, é claro. Era uma forma elegante de justificar sua presença cada vez mais dominante nos negócios e na política da região.

E é aí que entra a América Latina. O termo começou a ser usado como uma resposta ao pan-americanismo, como se dissesse: “Ei, espera aí! Nós, que falamos espanhol, português e até francês, temos mais em comum entre nós do que com os anglófonos do norte!” Essa era uma maneira de criar um senso de identidade próprio, uma narrativa de resistência.

A colonização das Américas Central e do Sul por países europeus de língua românica, incluindo a França, deu origem ao termo “América Latina” no século 19. Na imagem, o Corpo Expedicionário Francês entra na Cidade do México em 1863 em uma pintura de Jean Adolphe Beauce (nationalgeographicbrasil.com).

Língua, cultura e… “raça”?

Mas aqui vem um detalhe curioso: um dos pilares dessa identidade latino-americana era a ideia de uma unidade racial. A expressão “latina” vem do latim, a língua dos romanos, e foi adotada para reforçar a conexão com os países do sul da Europa — Espanha, Portugal e França.

Só que essa tentativa de se definir pela ancestralidade europeia ignorava (ou diminuía) a imensa diversidade da região. A América Latina sempre foi um mosaico de culturas indígenas, africanas, europeias e asiáticas. Então, por que insistir nessa ideia de “raça latina”?

Em parte, porque isso ajudava a legitimar uma elite criolla, descendente de europeus, que queria se diferenciar tanto dos indígenas e afrodescendentes quanto dos anglo-saxões do norte. Era uma identidade útil no discurso político, mas que não refletia a realidade social dos países latino-americanos.

Diante de tudo isso, ser latino-americano significa o quê? Falar espanhol ou português? Ter uma história marcada pelo colonialismo ibérico? Sofrer com o subdesenvolvimento e a dependência econômica?

O conceito de América Latina pode até ter nascido como uma estratégia política, mas se tornou algo muito maior. Ele ajudou a criar uma sensação de pertencimento, um certo espírito de solidariedade entre os países da região.

Mais detalhes: Identidade latino-americana – Wikipédia / History of Latin America – Wikipedia / SciELO Brasil – RAÍZES DA AMÉRICA LATINA: ORIGENS E FUNDAMENTOS DE UMA IDENTIDADE / Latino? Hispânico? Brasileiros são latinos também? Veja a origem destes termos e entenda melhor | National Geographic

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