Você sabe o que significa, de fato, ser latino-americano? A gente cresce ouvindo que fazemos parte da América Latina, um bloco de países que compartilha língua, cultura e até uma suposta identidade comum. Mas será que essa ideia sempre existiu? Ou foi criada para servir a interesses específicos?
A verdade é que o conceito de América Latina não surgiu naturalmente, como se fosse um fato óbvio da geografia ou da história. Pelo contrário, ele foi construído — e, como toda construção, teve um propósito. Esse termo começou a ganhar força no século XIX, impulsionado por intelectuais franceses, espanhóis e até mesmo pelos próprios latino-americanos, como uma tentativa de unificar os países de língua latina (principalmente os que falavam espanhol e português) frente à crescente influência dos Estados Unidos.

A América Latina contra o pan-americanismo
No meio do século XIX, os Estados Unidos já começavam a se enxergar como líderes do continente. A Doutrina Monroe, lançada em 1823, dizia basicamente: “A América para os americanos”. Mas, na prática, o que isso significava? Que os EUA não queriam interferência europeia no continente, mas também que eles próprios estavam dispostos a expandir sua influência política e econômica sobre os países vizinhos.
Para sustentar essa posição, veio a ideia do pan-americanismo, um conceito que defendia a união de todas as nações do continente americano — mas sob a liderança dos Estados Unidos, é claro. Era uma forma elegante de justificar sua presença cada vez mais dominante nos negócios e na política da região.
E é aí que entra a América Latina. O termo começou a ser usado como uma resposta ao pan-americanismo, como se dissesse: “Ei, espera aí! Nós, que falamos espanhol, português e até francês, temos mais em comum entre nós do que com os anglófonos do norte!” Essa era uma maneira de criar um senso de identidade próprio, uma narrativa de resistência.

Língua, cultura e… “raça”?
Mas aqui vem um detalhe curioso: um dos pilares dessa identidade latino-americana era a ideia de uma unidade racial. A expressão “latina” vem do latim, a língua dos romanos, e foi adotada para reforçar a conexão com os países do sul da Europa — Espanha, Portugal e França.
Só que essa tentativa de se definir pela ancestralidade europeia ignorava (ou diminuía) a imensa diversidade da região. A América Latina sempre foi um mosaico de culturas indígenas, africanas, europeias e asiáticas. Então, por que insistir nessa ideia de “raça latina”?
Em parte, porque isso ajudava a legitimar uma elite criolla, descendente de europeus, que queria se diferenciar tanto dos indígenas e afrodescendentes quanto dos anglo-saxões do norte. Era uma identidade útil no discurso político, mas que não refletia a realidade social dos países latino-americanos.
Diante de tudo isso, ser latino-americano significa o quê? Falar espanhol ou português? Ter uma história marcada pelo colonialismo ibérico? Sofrer com o subdesenvolvimento e a dependência econômica?
O conceito de América Latina pode até ter nascido como uma estratégia política, mas se tornou algo muito maior. Ele ajudou a criar uma sensação de pertencimento, um certo espírito de solidariedade entre os países da região.
Mais detalhes: Identidade latino-americana – Wikipédia / History of Latin America – Wikipedia / SciELO Brasil – RAÍZES DA AMÉRICA LATINA: ORIGENS E FUNDAMENTOS DE UMA IDENTIDADE / Latino? Hispânico? Brasileiros são latinos também? Veja a origem destes termos e entenda melhor | National Geographic