O que a Operação Paperclip e a Osoaviakhim deixaram para o mundo?
Por que, no fim da Segunda Guerra, Estados Unidos e União Soviética correram para capturar as mentes por trás das máquinas e engenhosidades dos nazistas? A Operação Paperclip, dos EUA, e a Operação Osoaviakhim, da URSS, levaram milhares de engenheiros, muitos com passados sombrios, para acelerar a tecnologia das potências. Homens como Wernher von Braun, que fez foguetes V-2 voarem, e Helmut Gröttrup, que levou segredos de mísseis para os soviéticos, mudaram o jogo. O que devemos questionar é: por que apostar em cérebros nazistas? Como seus foguetes, bombas e ideias moldaram o mundo que conhecemos hoje?
A corrida pelos cérebros nazistas
Quando a Alemanha nazista caiu, em maio de 1945, o butim mais valioso não era ouro, mas conhecimento. Os EUA lançaram a Operação Paperclip, inicialmente chamada Overcast, para trazer cientistas alemães antes que a URSS os pegasse. A meta? Aproveitar a expertise em foguetes, aviação e armas químicas para vencer o Japão e se preparar para a Guerra Fria. A URSS, não menos ambiciosa, respondeu com a Operação Osoaviakhim, em outubro de 1946, transferindo à força cerca de 2.200 especialistas alemães para Moscou. Ambos os lados sabiam: quem dominasse a tecnologia alemã — os foguetes V-2, as pesquisas em bombas nucleares, os jatos Me-262 — teria a vantagem no mundo novo. Por que era tão crucial herdar esse legado?
Operação Paperclip: o time americano
Os EUA conseguiram mais de 1.500 cientistas, engenheiros e técnicos. Wernher von Braun, o nome mais brilhante, projetou o V-2, um foguete com motor de propelente líquido que alcançava 88 km de altitude e 5.760 km/h, aterrorizando Londres. Apesar de usar trabalho escravizado em Peenemünde, ele virou a chave da NASA. Arthur Rudolph, outro recruta, foi essencial na construção do Saturno V, com seus cinco motores F-1, cada um gerando 680 mil kg de empuxo, que levou a Apollo 11 à Lua em 1969. Hubertus Strughold, apesar de ligado a experimentos médicos em Dachau, avançou a medicina espacial, definindo como proteger astronautas em gravidade zero. Esses homens, muitos filiados ao Partido Nazista, tiveram seus passados encobertos. O que valia mais: seus crimes ou seus cálculos?
Operação Osoaviakhim: a aposta soviética
A URSS, menos seletiva, levou 2.000 cientistas, incluindo Helmut Gröttrup, assistente de Von Braun no V-2. Em instalações secretas como a Ilha Gorodomlya, Gröttrup ajudou a desenvolver o R-1, uma réplica do V-2 com alcance de 270 km, e o R-2, com 600 km. Os alemães também contribuíram para o motor RD-100, com 27.000 kg de empuxo, base para mísseis como o R-7, que lançou o Sputnik em 1957. Manfred von Ardenne, físico nuclear, acelerou o programa atômico soviético, que testou sua primeira bomba em 1949. Diferente dos EUA, a URSS tratava seus cientistas como prisioneiros, vigiando cada passo. Mesmo assim, por que o Kremlin viu neles a chance de superar o Ocidente?
Foguetes, bombas e o salto tecnológico
Nos EUA: da V-2 à Lua
A Paperclip transformou a engenharia americana. O V-2, com seu sistema de navegação inercial e motor de oxigênio líquido, era o ponto de partida. No Redstone Arsenal, Von Braun desenvolveu o míssil Redstone, com alcance de 320 km, usado em 1961 para o primeiro voo suborbital da Mercury. O Saturno V, com 85 metros e capacidade de 48 toneladas em órbita baixa, foi o ápice, possibilitando as missões Apollo. Além dos foguetes, cientistas como Walter Dornberger avançaram em mísseis balísticos, como o MX-774, precursor do Atlas, que podia carregar ogivas nucleares a 8.000 km. Até hoje, a tecnologia de propulsão e navegação da NASA tem raízes nesses designs.
Na URSS: do Sputnik aos ICBMs
A Osoaviakhim deu à URSS um empurrão crucial. O R-1, apesar de copiar o V-2, preparou o terreno para o R-7, um míssil intercontinental com alcance de 8.800 km, que lançou o Sputnik e colocou os soviéticos à frente em 1957. Os motores RD-107 e RD-108, derivados do trabalho alemão, usavam querosene e oxigênio líquido, gerando 82.000 kg de empuxo cada. O programa nuclear também ganhou: Von Ardenne ajudou a enriquecer urânio, acelerando a bomba RDS-1. Essas conquistas moldaram os mísseis SS-18 Satan, ainda em uso hoje, com capacidade para 10 ogivas nucleares.
As marcas da Paperclip e da Osoaviakhim estão por toda parte. Nos EUA, a tecnologia de foguetes evoluiu para os Falcon 9 da SpaceX, que reutilizam estágios, uma ideia que Von Braun já explorava. Satélites GPS, comunicações globais e até o James Webb Telescope devem algo à engenharia alemã. Na Rússia, os mísseis Sarmat, sucessores do R-7, carregam o DNA dos designs de Gröttrup. Mas o legado não é só técnico. A escolha de ignorar passados criminosos em nome do progresso abriu debates éticos. Hoje, quando a inteligência artificial e a biotecnologia avançam, a sombra da Paperclip pergunta: até onde vamos pelo conhecimento? E os arsenais nucleares, que ameaçam o planeta, não nasceram, em parte, dessas operações?
Pensar na Paperclip e na Osoaviakhim é mergulhar num dilema. De um lado, a Lua, o Sputnik, tecnologias que definiram o século XX. De outro, o custo de abraçar mentes que serviram ao horror. As potências queriam foguetes, bombas, poder — e conseguiram.
Mais detalhes: Zwangsarbeit in Peenemünde – Historisch-Technisches Museum Peenemünde / Arthur Rudolph – Wikipedia / Saturno V – Wikipédia / Hubertus Strughold – Wikipedia / RD-100 (motor de foguete) – Wikipédia / R-7 Semyorka – Wikipédia / Manfred von Ardenne – Wikipédia / Redstone Arsenal – Wikipedia / Walter Dornberger – Wikipédia / MX-774 – Wikipédia / RD-108 – Wikipedia / RD-107 – Wikipédia / R-36 (missile) – Wikipedia / Operação Osoaviakhim – Wikipédia / Wernher von Braun – Wikipédia / Helmut Gröttrup – Wikipédia / Operação Paperclip – Wikipédia / Operation Paperclip | Definition, History, & World War II | Britannica