Especialistas em foguetes do Projeto PaperclipCientistas e engenheiros de foguetes alemães e austríacos, incluindo Wernher von Braun (primeira fila, sétimo da direita), que foram transferidos para os EUA pelo Projeto Paperclip, em Fort Bliss, Texas, em 1946.

Especialistas em foguetes do Projeto Paperclip. Cientistas e engenheiros de foguetes alemães e austríacos, incluindo Wernher von Braun (primeira fila, sétimo da direita), que foram transferidos para os EUA pelo Projeto Paperclip, em Fort Bliss, Texas, em 1946.

A disputa entre EUA e URSS ao fim da Segunda Guerra pelas mentes nazistas

O que a Operação Paperclip e a Osoaviakhim deixaram para o mundo?

Por que, no fim da Segunda Guerra, Estados Unidos e União Soviética correram para capturar as mentes por trás das máquinas e engenhosidades dos nazistas? A Operação Paperclip, dos EUA, e a Operação Osoaviakhim, da URSS, levaram milhares de engenheiros, muitos com passados sombrios, para acelerar a tecnologia das potências. Homens como Wernher von Braun, que fez foguetes V-2 voarem, e Helmut Gröttrup, que levou segredos de mísseis para os soviéticos, mudaram o jogo. O que devemos questionar é: por que apostar em cérebros nazistas? Como seus foguetes, bombas e ideias moldaram o mundo que conhecemos hoje?

A corrida pelos cérebros nazistas

Quando a Alemanha nazista caiu, em maio de 1945, o butim mais valioso não era ouro, mas conhecimento. Os EUA lançaram a Operação Paperclip, inicialmente chamada Overcast, para trazer cientistas alemães antes que a URSS os pegasse. A meta? Aproveitar a expertise em foguetes, aviação e armas químicas para vencer o Japão e se preparar para a Guerra Fria. A URSS, não menos ambiciosa, respondeu com a Operação Osoaviakhim, em outubro de 1946, transferindo à força cerca de 2.200 especialistas alemães para Moscou. Ambos os lados sabiam: quem dominasse a tecnologia alemã — os foguetes V-2, as pesquisas em bombas nucleares, os jatos Me-262 — teria a vantagem no mundo novo. Por que era tão crucial herdar esse legado?

Operação Paperclip: o time americano

Os EUA conseguiram mais de 1.500 cientistas, engenheiros e técnicos. Wernher von Braun, o nome mais brilhante, projetou o V-2, um foguete com motor de propelente líquido que alcançava 88 km de altitude e 5.760 km/h, aterrorizando Londres. Apesar de usar trabalho escravizado em Peenemünde, ele virou a chave da NASA. Arthur Rudolph, outro recruta, foi essencial na construção do Saturno V, com seus cinco motores F-1, cada um gerando 680 mil kg de empuxo, que levou a Apollo 11 à Lua em 1969. Hubertus Strughold, apesar de ligado a experimentos médicos em Dachau, avançou a medicina espacial, definindo como proteger astronautas em gravidade zero. Esses homens, muitos filiados ao Partido Nazista, tiveram seus passados encobertos. O que valia mais: seus crimes ou seus cálculos?

Operação Osoaviakhim: a aposta soviética

A URSS, menos seletiva, levou 2.000 cientistas, incluindo Helmut Gröttrup, assistente de Von Braun no V-2. Em instalações secretas como a Ilha Gorodomlya, Gröttrup ajudou a desenvolver o R-1, uma réplica do V-2 com alcance de 270 km, e o R-2, com 600 km. Os alemães também contribuíram para o motor RD-100, com 27.000 kg de empuxo, base para mísseis como o R-7, que lançou o Sputnik em 1957. Manfred von Ardenne, físico nuclear, acelerou o programa atômico soviético, que testou sua primeira bomba em 1949. Diferente dos EUA, a URSS tratava seus cientistas como prisioneiros, vigiando cada passo. Mesmo assim, por que o Kremlin viu neles a chance de superar o Ocidente?

Foguetes, bombas e o salto tecnológico

Nos EUA: da V-2 à Lua

A Paperclip transformou a engenharia americana. O V-2, com seu sistema de navegação inercial e motor de oxigênio líquido, era o ponto de partida. No Redstone Arsenal, Von Braun desenvolveu o míssil Redstone, com alcance de 320 km, usado em 1961 para o primeiro voo suborbital da Mercury. O Saturno V, com 85 metros e capacidade de 48 toneladas em órbita baixa, foi o ápice, possibilitando as missões Apollo. Além dos foguetes, cientistas como Walter Dornberger avançaram em mísseis balísticos, como o MX-774, precursor do Atlas, que podia carregar ogivas nucleares a 8.000 km. Até hoje, a tecnologia de propulsão e navegação da NASA tem raízes nesses designs.

Na URSS: do Sputnik aos ICBMs

A Osoaviakhim deu à URSS um empurrão crucial. O R-1, apesar de copiar o V-2, preparou o terreno para o R-7, um míssil intercontinental com alcance de 8.800 km, que lançou o Sputnik e colocou os soviéticos à frente em 1957. Os motores RD-107 e RD-108, derivados do trabalho alemão, usavam querosene e oxigênio líquido, gerando 82.000 kg de empuxo cada. O programa nuclear também ganhou: Von Ardenne ajudou a enriquecer urânio, acelerando a bomba RDS-1. Essas conquistas moldaram os mísseis SS-18 Satan, ainda em uso hoje, com capacidade para 10 ogivas nucleares.

As marcas da Paperclip e da Osoaviakhim estão por toda parte. Nos EUA, a tecnologia de foguetes evoluiu para os Falcon 9 da SpaceX, que reutilizam estágios, uma ideia que Von Braun já explorava. Satélites GPS, comunicações globais e até o James Webb Telescope devem algo à engenharia alemã. Na Rússia, os mísseis Sarmat, sucessores do R-7, carregam o DNA dos designs de Gröttrup. Mas o legado não é só técnico. A escolha de ignorar passados criminosos em nome do progresso abriu debates éticos. Hoje, quando a inteligência artificial e a biotecnologia avançam, a sombra da Paperclip pergunta: até onde vamos pelo conhecimento? E os arsenais nucleares, que ameaçam o planeta, não nasceram, em parte, dessas operações?

Pensar na Paperclip e na Osoaviakhim é mergulhar num dilema. De um lado, a Lua, o Sputnik, tecnologias que definiram o século XX. De outro, o custo de abraçar mentes que serviram ao horror. As potências queriam foguetes, bombas, poder — e conseguiram.

Mais detalhes: Zwangsarbeit in Peenemünde – Historisch-Technisches Museum Peenemünde / Arthur Rudolph – Wikipedia / Saturno V – Wikipédia / Hubertus Strughold – Wikipedia / RD-100 (motor de foguete) – Wikipédia / R-7 Semyorka – Wikipédia / Manfred von Ardenne – Wikipédia / Redstone Arsenal – Wikipedia / Walter Dornberger – Wikipédia / MX-774 – Wikipédia / RD-108 – Wikipedia / RD-107 – Wikipédia / R-36 (missile) – Wikipedia / Operação Osoaviakhim – Wikipédia / Wernher von Braun – Wikipédia / Helmut Gröttrup – Wikipédia / Operação Paperclip – Wikipédia / Operation Paperclip | Definition, History, & World War II | Britannica

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