Antes da eclosão da Segunda Guerra Mundial, as relações comerciais entre Brasil e Alemanha eram intensas e estratégicas, marcadas por uma crescente interdependência econômica. Durante a década de 1930, a Alemanha nazista, sob o comando de Adolf Hitler, buscava expandir sua influência na América Latina, e o Brasil, com sua economia baseada na exportação de commodities, tornou-se um parceiro comercial crucial. Este artigo explora o auge do comércio teuto-brasileiro, o papel da Alemanha como maior parceiro comercial do Brasil em 1938 e 1939, e como o bloqueio naval britânico, imposto com o início da guerra, interrompeu drasticamente essa relação.
Contexto Histórico: O Comércio na Década de 1930
Na década de 1930, o Brasil, sob a liderança de Getúlio Vargas e o regime do Estado Novo (1937-1945), buscava maximizar seus ganhos econômicos em um cenário internacional marcado pela Grande Depressão e pela rivalidade entre potências. A política externa brasileira era pragmática, visando acordos comerciais vantajosos com tanto os Aliados quanto as potências do Eixo. A Alemanha, por sua vez, implementava uma política econômica agressiva, liderada por Hjalmar Schacht, que promovia trocas comerciais bilaterais baseadas em compensação (barter), evitando o uso de moedas conversíveis escassas.
O sistema de “marcos de compensação” foi central para o fortalecimento das relações comerciais. Nesse modelo, o Brasil exportava produtos agrícolas, como algodão, café, cacau, e minérios, enquanto a Alemanha fornecia bens industriais, como máquinas, armamentos, e produtos químicos. Esse arranjo era particularmente atraente para o Brasil, que enfrentava dificuldades para acessar mercados tradicionais devido à crise econômica global. Em 1938, o Brasil importou produtos alemães no valor de 161,3 milhões de Reichsmarks (RM), tornando-se o maior mercado de exportação da Alemanha fora da Europa.
A Alemanha também investia diretamente no Brasil. Grandes bancos alemães, como o Banco Alemão Transatlântico e o Brazilian Bank for Germany, estabeleceram filiais no país, facilitando empréstimos vinculados à compra de produtos alemães. Empresas como M.A.N. e Philipp Holzmann & Co. começaram a se estabelecer, enquanto a influência alemã crescia entre as comunidades de imigrantes germânicos, especialmente no Sul do Brasil.

Alemanha: O Maior Parceiro Comercial do Brasil em 1938 e 1939
Em 1938, a Alemanha ultrapassou os Estados Unidos e se consolidou como o principal parceiro comercial do Brasil. Sua participação nas importações brasileiras saltou de 14,02% em 1934 para 25% em 1938, enquanto os EUA representavam 24,02% e a Grã-Bretanha apenas 10,04%. Esse crescimento foi impulsionado pela demanda alemã por matérias-primas brasileiras, especialmente algodão, que a Alemanha passou a pagar com armamentos a partir de 1938. O Brasil, por sua vez, beneficiava-se do acesso a produtos industriais essenciais para sua modernização.
Em 1939, mesmo com as tensões crescentes na Europa, a Alemanha manteve sua posição como principal fornecedor do Brasil. A influência alemã era reforçada pela presença de cerca de 100 mil alemães de primeira geração e 800 mil descendentes no país, que representavam 3% da população brasileira e formavam uma base de apoio econômico e cultural. Negociações para a construção de uma siderúrgica pela empresa alemã Krupp também avançavam, refletindo a simpatia de Vargas pelo regime nazista, especialmente por sua posição anticomunista.
O Impacto do Bloqueio Naval Britânico
Com o início da Segunda Guerra Mundial, em setembro de 1939, a Grã-Bretanha e a França impuseram um bloqueio naval ao Terceiro Reich, visando asfixiar sua economia. A Kriegsmarine, marinha de guerra alemã, era incapaz de romper o controle britânico sobre o Atlântico, especialmente após o abandono do Plano Z, que priorizava a construção de submarinos (U-boats) em detrimento de navios de superfície. Como resultado, a marinha mercante alemã foi praticamente impedida de operar, e o comércio com o Brasil foi severamente afetado.
O bloqueio britânico interrompeu o fluxo de mercadorias entre os dois países. O Banco do Brasil anunciou que não poderia mais fornecer marcos de compensação, e as exportações brasileiras para a Alemanha colapsaram. Um exemplo emblemático ocorreu quando um navio carregado com armas alemãs, já pagas pelo Brasil, foi impedido de deixar o porto italiano pela Marinha Real Britânica. A partir de 1940, o comércio teuto-brasileiro entrou em declínio irreversível, e os Estados Unidos, aproveitando a política de boa vizinhança de Franklin Roosevelt, começaram a preencher o vácuo deixado pela Alemanha.
Consequências e Alinhamento com os Aliados
A interrupção do comércio com a Alemanha forçou o Brasil a reorientar sua política externa. A pressão naval britânica, combinada com os incentivos econômicos americanos, como o financiamento da Companhia Siderúrgica Nacional, aproximou o Brasil dos Aliados. Em janeiro de 1942, o Brasil rompeu relações diplomáticas com o Eixo, e, após o afundamento de navios mercantes brasileiros por submarinos alemães em 1942, declarou guerra à Alemanha e à Itália em agosto do mesmo ano.
O rompimento marcou o fim de uma era de forte influência alemã no Brasil. Empresas alemãs foram nacionalizadas, bancos como o Banco Alemão Transatlântico foram liquidados, e cerca de mil súditos alemães foram internados. A Força Expedicionária Brasileira (FEB) foi enviada à Itália em 1944, consolidando a participação do Brasil ao lado dos Aliados (escrevemos sobre isso aqui).
Conclusão
O comércio entre Brasil e Alemanha na década de 1930 foi um exemplo de cooperação econômica estratégica, com a Alemanha se consolidando como o maior parceiro comercial do Brasil em 1938 e 1939. No entanto, o bloqueio naval britânico, imposto com o início da Segunda Guerra Mundial, interrompeu abruptamente essa relação, redirecionando o Brasil para a órbita dos Aliados. Esse episódio ilustra como conflitos globais podem alterar dinâmicas econômicas regionais, forçando nações a adaptar suas prioridades em tempos de crise.
Mais detalhes: Vestindo a Wehrmacht: as exportações brasileiras de algodão para a Alemanha, 1934-1940 | História Econômica & História de Empresas / Gráfico: ascensão e queda do comércio com a Alemanha | Atlas Histórico do Brasil – FGV / A relações diplomáticas entre o Brasil e a Alemanha, 1889 – 1942 – Eckhard E. Kupfer / Willi Bolle / SciELO Brasil – Alemanha e Brasil, 1870-1945: uma relação entre espaços / Brasil na Segunda Guerra Mundial – Wikipédia / Rio Multicultural – reportagens – Presença alemã nas esquinas e nos sabores do Rio / Kriegsmarine – Wikipédia / Brasil na Segunda Guerra Mundial – Memória do Transporte Brasileiro / Brasil Declara Guerra Em 22 de Agosto de 1942 – MUSAL / SciELO Brasil – Análise econômica da parceria Brasil – Alemanha no contexto das relações entre o Mercosul e a União Européia / Há 80 anos, Brasil declarava guerra à Alemanha – DW / SciELO Brasil – Hjalmar Schacht e a economia alemã (1920-1950) / Um “jeitinho brasileiro” na Segunda Guerra Mundial