Você sabia que, entre 1925 e 1927, um grupo de revolucionários brasileiros marchou mais de 25 mil quilômetros pelo país, enfrentando o exército e nunca sendo derrotado em combate? Pois é, essa história incrível aconteceu aqui mesmo, no nosso território. Trata-se da Coluna Prestes, um dos movimentos mais impressionantes e pouco conhecidos da história do Brasil. E olha que não estamos falando de uma caminhada tranquila. Estamos falando de guerrilheiros que, em plena República Velha, desafiavam generais, atravessavam 13 estados e ainda tinham tempo para dialogar com comunidades, espalhar suas ideias e inspirar outros movimentos pelo país.
Por que quase ninguém fala disso? Talvez porque essa seja uma daquelas histórias que o tempo e a política tentaram apagar, mas que merece ser resgatada. Afinal, poucas vezes na história mundial vimos uma marcha de resistência com tamanha coragem e resiliência.
Então, vamos abrir essa página esquecida do nosso passado e entender como a Coluna Prestes não só desafiou o Brasil daquela época, mas deixou um legado de resistência que atravessa gerações.
O Contexto: Por Que Tudo Começou?
Estamos na década de 1920, uma época em que o Brasil estava mais dividido do que torcida de futebol em dia de clássico. O governo federal era comandado por Arthur Bernardes, que governou entre 1922 e 1926. Era um período de enorme instabilidade política. A famosa política do café com leite – o revezamento entre políticos de Minas Gerais e São Paulo na presidência – começava a desmoronar, e as tensões sociais ferviam.
Os militares, especialmente os jovens tenentes, estavam insatisfeitos com a República Velha e as oligarquias que controlavam o país. Eles queriam mudanças. Queriam um Brasil mais justo, com eleições limpas, educação e direitos sociais para todos. Mas claro, quando você cutuca as oligarquias com uma vara curta, elas reagem. E foi exatamente isso que aconteceu.
Em 1924, a situação escalou. Primeiro, houve uma revolta em São Paulo, conhecida como a Revolução de 1924. Apesar de bem planejada, ela foi reprimida pelo governo. Mas os tenentes não desistiram. Eles recuaram para o interior e decidiram que não iam ficar parados esperando que as coisas melhorassem. Foi aí que começou a Coluna Prestes.
A Coluna: Quem Eram Esses Guerreiros?
A Coluna Prestes era liderada por dois nomes que você precisa guardar: Luís Carlos Prestes e Miguel Costa. Prestes, que depois se tornaria um ícone do comunismo brasileiro, era um jovem oficial do exército na época, brilhante estrategista e com uma cabeça dura de fazer inveja a qualquer revolucionário. Já Miguel Costa era um militar experiente e carismático, que ajudou a dar estrutura à coluna.
Os integrantes da Coluna Prestes eram, em sua maioria, jovens tenentes e soldados que acreditavam que o Brasil precisava de uma reforma política profunda. Mas não eram apenas militares. Muitos civis se uniram ao movimento, pessoas comuns que estavam cansadas da opressão e da desigualdade.
Entre 1925 e 1927, essa coluna marchou por cerca de 25 mil quilômetros, atravessando 13 estados do Brasil. Sim, 25 mil quilômetros.
O que Eles Queriam?
A Coluna Prestes não queria tomar o poder diretamente, pelo menos não da forma tradicional. Eles queriam mobilizar o povo, espalhar suas ideias e enfraquecer o governo central, mostrando que o país precisava de mudanças urgentes. Era quase como um tour de guerrilha, com direito a palestras improvisadas pelo interior.
Um detalhe curioso que pouca gente comenta: a Coluna Prestes não era apenas uma máquina de combate. Eles tinham um propósito ideológico – promover a conscientização do povo sobre as injustiças do sistema político e social. Em várias paradas ao longo da marcha, eles realizavam discursos e explicavam seus ideais.
Como Eles Derrotaram os Generais?
Aqui entra o lado da estratégia militar. Mesmo sendo constantemente perseguidos pelo exército, a Coluna Prestes nunca foi derrotada em combate. Como isso aconteceu? Bem, Prestes era um mestre da estratégia de guerrilha. Ele usava o território brasileiro – vasto, inóspito e cheio de surpresas – a seu favor.
O grande trunfo da Coluna Prestes foi sua capacidade de adaptação e mobilidade. Eles eram como fantasmas no mapa: apareciam em uma região, realizavam ataques rápidos, e antes que as tropas governamentais pudessem cercá-los, já estavam a centenas de quilômetros de distância.
A marcha passou por territórios inóspitos, enfrentando secas, doenças e, claro, o exército. Em um dado momento, o governo enviou cerca de 10 mil soldados para persegui-los, um número muito maior do que o contingente da Coluna, que nunca passou de 1.500 combatentes.
Apesar dessa desvantagem numérica, a Coluna Prestes nunca foi derrotada em combate direto. Eles dominavam o terreno, conheciam atalhos e usavam táticas de guerrilha que confundiam completamente os comandantes do governo.
Enquanto os generais tinham dificuldades para mover suas tropas pelas regiões isoladas do Brasil, Prestes e seus companheiros conheciam cada atalho, cada rio e cada colina. Eles atacavam onde o governo era mais vulnerável.
Curiosidades e Ironias do Movimento
Agora, se você acha que tudo era sério o tempo todo, aí vai uma ironia da história: em algumas cidades, as pessoas achavam que a Coluna Prestes era composta por bandidos ou invasores estrangeiros. Alguns relatos dizem que os membros da coluna tiveram que explicar várias vezes que estavam ali para lutar por um Brasil melhor – e não para roubar galinhas ou destruir plantações. Outra curiosidade é que, mesmo sendo considerados inimigos do governo, os integrantes da Coluna Prestes ganharam o respeito de muitas comunidades. Eles eram vistos como heróis por sua determinação e pela forma como tratavam o povo.
Entre os muitos episódios curiosos, um que merece destaque é o encontro da Coluna Prestes com populações indígenas. Em algumas regiões do Brasil, a Coluna entrou em contato com grupos indígenas que, embora inicialmente desconfiassem dos “homens armados”, acabaram colaborando com os revolucionários. Essa interação, pouco documentada, mostra como a Coluna teve que lidar não apenas com desafios militares, mas também culturais e territoriais.
Outro fato pouco divulgado é a relação da Coluna com o povo do interior. Apesar de serem considerados “inimigos do governo”, os integrantes da Coluna Prestes ganharam o respeito de muitas comunidades por onde passaram. Eles evitavam saques desnecessários e, sempre que possível, pagavam pelos alimentos que consumiam. Essa postura era parte da estratégia: conquistar o apoio popular era tão importante quanto vencer batalhas.
E tem mais: em várias cidades, a Coluna conseguiu apoio de médicos e professores locais, que simpatizavam com os ideais revolucionários. Esse tipo de aliança mostra que, mesmo sob perseguição constante, os tenentes conseguiram espalhar suas ideias de justiça e igualdade.
O Fim da Marcha e o Que Ficou
Depois de quase dois anos de resistência, a Coluna Prestes encerrou sua jornada em 1927, ao cruzar a fronteira com a Bolívia. A decisão de se exilar não foi uma derrota, mas uma retirada estratégica. Afinal, o objetivo principal – expor as falhas do governo e inspirar uma revolta nacional – já tinha sido alcançado.
Mas será que valeu a pena? Será que uma marcha tão longa e sacrificante realmente mudou o país? Pessoalmente, acredito que a Coluna Prestes não apenas desafiou o governo da época, mas também mostrou que mudanças começam com coragem e um propósito inabalável.
Muitos historiadores consideram que ela foi uma das sementes que germinaram na Revolução de 1930, que derrubou a República Velha e levou Getúlio Vargas ao poder.
Mas há algo que me intriga até hoje; como essa história, com tantas lições de coragem e resiliência, ficou tão apagada no imaginário popular brasileiro? Por que não aprendemos mais sobre isso na escola? Talvez porque ela desafie narrativas cômodas sobre nossa história.
Esse fato foi, sem dúvida, uma das maiores marchas de guerrilha da história, e, muito mais do que uma marcha militar. Ela foi um movimento de ideias, uma demonstração de que a resistência pode assumir várias formas – desde a luta armada até o diálogo com o povo.
Hoje, mais de cem anos depois, ainda podemos aprender com o exemplo daqueles que marcharam 25 mil quilômetros por um ideal. Afinal, eles nos lembram que mudar o Brasil sempre foi difícil – mas nunca impossível.
No Youtube da TV BRASIL:
No site da biblioteca do Senado Federal, como sempre, dispõem de um excelente acervo e fonte de informação gratuita. Você pode baixar alguns livros sobre o movimento e sobre a historia de Carlos Prestes: A Coluna Prestes no Piauí (vol. 90) / Luiz Carlos Prestes: o Constituinte, o Senador (1946-1948) (vol. 10)
Na Amazon, alguns livros sobre o tema: A Coluna Prestes / A Coluna Prestes. Rebeldes Errantes – Volume 103. Coleção Tudo É História / Uma epopeia brasileira – a Coluna Prestes
Fontes: Coluna Prestes – Wikipédia / Coluna Prestes, 100 anos: o que foi o movimento militar que queria ‘corrigir’ a política brasileira – BBC News Brasil / Luís Carlos Prestes – Wikipédia / A vida de revolucionário de Luís Carlos Prestes em biografia de Daniel Aarão Reis – Jornal O Globo / Soldados negros foram base da Coluna Prestes há 100 anos – Folha / Manuscrito aponta estratégia da marcha da Coluna Prestes – Folha /