A Independência do Brasil, proclamada em 7 de setembro de 1822, não foi apenas um evento interno, mas um capítulo crucial na geopolítica global do século XIX. Em meio às guerras napoleônicas e ao declínio dos impérios coloniais, o Brasil emergiu como uma nação soberana, influenciada por alianças europeias, interesses comerciais e tensões atlânticas. Neste post, exploramos os arranjos geopolíticos da época, como o Brasil era visto pelas outras nações, quem apoiou ou se opôs ao processo, o alinhamento geopolítico brasileiro pós-independência, figuras chave na política externa e, por fim, algumas curiosidades históricas.
Os Arranjos Geopolíticos da Época e a Visão Internacional do Brasil
No início do século XIX, a Europa ainda se recuperava das Guerras Napoleônicas (1799-1815), que redesenharam o mapa político do continente. Portugal, aliado à Grã-Bretanha, sofreu invasão francesa em 1807, levando a corte portuguesa, liderada pelo príncipe regente Dom João (futuro João VI), a fugir para o Rio de Janeiro em 1808. Esse traslado transformou o Brasil de mera colônia em sede do império português, com a abertura dos portos em 1808 e a elevação a Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves em 1815. Essa mudança geopolítica enfraqueceu o pacto colonial e fomentou aspirações locais de autonomia.
Com o retorno de João VI a Portugal em 1821, as Cortes portuguesas tentaram recolonizar o Brasil, impondo medidas que reduziam sua autonomia, como a dissolução do governo central e a subordinação direta a Lisboa. Isso culminou na declaração de independência por Dom Pedro I, filho de João VI, às margens do rio Ipiranga. Geopoliticamente, o Brasil era visto como um território vasto e rico em recursos (açúcar, café, ouro), mas instável: para os europeus conservadores da Santa Aliança (Áustria, Prússia e Rússia), representava um risco de contágio revolucionário, similar às independências hispano-americanas. Já para potências liberais como a Grã-Bretanha, era uma oportunidade de expansão comercial, livre das restrições portuguesas. Os Estados Unidos, emergindo como potência hemisférica, viam o Brasil como aliado contra o colonialismo europeu, alinhado à Doutrina Monroe (1823).
Quem Aceitou e Quem Foi Contra?
O reconhecimento internacional foi gradual e estratégico. Os Estados Unidos foram os primeiros a reconhecer formalmente a independência em 1824, motivados por interesses comerciais e pela promoção de repúblicas nas Américas. Portugal, inicialmente opositor ferrenho, só aceitou em 1825 com o Tratado do Rio de Janeiro, mediado pela Grã-Bretanha, após uma guerra de independência (1822-1825) e o pagamento de uma indenização de 2 milhões de libras esterlinas pelo Brasil – valor emprestado pelos britânicos, criando uma dívida que moldaria a economia brasileira por décadas. A Grã-Bretanha também reconheceu em 1825, garantindo tratados comerciais favoráveis.
Contra a independência, destacam-se Portugal, que mobilizou tropas leais no Brasil (levando a combates em províncias como Bahia e Maranhão), e a Santa Aliança, que via o processo como ameaça à ordem monárquica europeia. No entanto, a manutenção da monarquia no Brasil (como Império) amenizou oposições, diferenciando-o das repúblicas radicais da América Espanhola. Espanha, ainda lidando com suas próprias perdas coloniais, manteve neutralidade hostil, mas sem intervenção direta.
O Alinhamento Geopolítico do Brasil Pós-Independência

Após 1822, o Brasil alinhou-se pragmaticamente à Grã-Bretanha, tornando-se dependente de seu apoio naval e financeiro para consolidar a soberania. Essa aliança era essencial: a Marinha britânica ajudou a bloquear reforços portugueses, e tratados como o de 1826 aboliram tarifas preferenciais para Portugal, abrindo o mercado brasileiro aos produtos ingleses. Geopoliticamente, o Império do Brasil posicionou-se como uma monarquia constitucional conservadora, evitando radicalismos republicanos e buscando equilíbrio no Atlântico Sul. Sua política externa focava em reconhecimento diplomático, definição de fronteiras (com vizinhos como Argentina e Uruguai) e neutralidade em conflitos europeus, priorizando o comércio e a estabilidade interna.
Figuras chave incluíam:
- José Bonifácio de Andrada e Silva (já escrevemos sobre sua historia aqui): Ministro do Reino e dos Negócios Estrangeiros (1822-1823), patriarca da independência, responsável por negociações iniciais e pela redação de manifestos que buscavam legitimidade internacional. Sua visão era de um Brasil monárquico e unido.
- Dom Pedro I: Como imperador (1822-1831), conduziu a guerra e as diplomacias, enviando emissários à Europa. Sua herança portuguesa facilitou o tratado com o pai, João VI.
- Maria Leopoldina de Habsburgo: Imperatriz consorte, atuou como regente em 1822 e foi pivotal ao convocar o Conselho de Estado que recomendou a independência, influenciando Dom Pedro com cartas e conselhos diplomáticos.
- Joaquim Gonçalves Ledo: Jornalista e maçom, líder da facção liberal, promoveu petições e propaganda pela independência, ajudando a mobilizar elites paulistas e cariocas.
- Frei Joaquim do Amor Divino Caneca: Religioso e jornalista pernambucano, defendeu ideias republicanas e lutou na Confederação do Equador (1824), criticando o centralismo imperial e influenciando debates sobre federalismo.
- Cipriano Barata: Médico e político baiano, editor de jornais radicais, defendeu a independência e lutou contra o absolutismo, sendo preso por suas ideias liberais.
- Maria Quitéria de Jesus: Heroína militar baiana, disfarçou-se de homem para combater na Guerra da Independência, simbolizando a participação feminina e popular no processo.
- Entre os estrangeiros, George Canning, chanceler britânico, foi pivotal na mediação, representando os interesses comerciais da Grã-Bretanha.
A posição externa era de “universalismo moderado”: alianças seletivas (com Grã-Bretanha e EUA), mas distância da Santa Aliança, priorizando a abolição gradual do tráfico de escravos (pressão britânica) e expansão territorial na América do Sul.

A Importância de Maria Quitéria no Período da Independência do Brasil

Maria Quitéria de Jesus (1792-1853) é uma figura emblemática da Independência do Brasil, destacando-se como símbolo de coragem e participação feminina em um processo dominado por homens. Nascida na Bahia, ela desafiou as normas de gênero da época ao se disfarçar de homem, adotando o nome “Soldado Medeiros”, para se alistar no exército brasileiro durante a Guerra da Independência (1822-1825). Lutando em batalhas cruciais contra as tropas portuguesas na Bahia, Maria Quitéria demonstrou bravura excepcional, sendo reconhecida por sua habilidade com armas e liderança no campo. Sua atuação não apenas contribuiu para a vitória brasileira, mas também quebrou barreiras sociais, inspirando a inclusão de mulheres em narrativas históricas. Agraciada por Dom Pedro I com a Ordem do Cruzeiro, ela permanece um ícone de resistência e patriotismo, evidenciando que a luta pela independência também teve vozes femininas poderosas.
Curiosidades da História
A independência brasileira guarda segredos que vão além do “Grito do Ipiranga”. Aqui vão alguns fatos menos conhecidos:
- A Independência Foi “Familiar”: Diferente de outras lutas sangrentas na América Latina, a do Brasil foi declarada pelo filho do rei português, Dom Pedro, contra o pai. Isso tornou o processo uma “separação amigável” entre elites, mas com uma guerra civil interna contra lealistas portugueses que matou milhares em batalhas esquecidas, como a da Bahia.
- Pagamento pela Liberdade: O Brasil “comprou” sua independência, pagando indenização a Portugal – um valor equivalente a bilhões hoje, financiado por empréstimos britânicos que endividaram o país por gerações. Chocante: isso reforçou a dependência econômica, com a Grã-Bretanha controlando o comércio.
- O Mito do Grito: A famosa frase “Independência ou Morte!” pode ser exagerada; relatos contemporâneos sugerem que Pedro estava com diarreia no momento, devido a uma infecção, tornando o evento menos heroico do que as pinturas românticas retratam.
- Cores da Bandeira Não São o Que Parecem: Verde e amarelo não representam florestas e ouro, mas as casas reais: verde para os Bragança (Portugal) e amarelo para os Habsburgo (da imperatriz Leopoldina, austríaca).
- Impacto no Vaticano: A independência alterou relações com a Santa Sé; o Brasil, católico, precisou negociar reconhecimento papal, que veio só em 1827, destacando tensões entre monarquia e Igreja.
- Pouco Popular: Diferente de mitos nacionalistas, a independência foi elitista; escravizados e indígenas mal participaram, e rebeliões como a Confederação do Equador (1824) mostraram descontentamento regional, reprimido com violência.
Esses elementos revelam como a independência foi mais um rearranjo de poder entre elites do que uma revolução popular ampla, moldando um Brasil monárquico e dependente economicamente, mas com sementes de debates liberais e federais. A aliança com potências ocidentais influenciou a formação de uma nação voltada para o Atlântico, priorizando comércio e estabilidade, enquanto figuras como José Bonifácio e Maria Quitéria simbolizam a diversidade de vozes – de conservadores a radicais, de homens a mulheres – que construíram a soberania brasileira. Em um mundo ainda marcado por disputas de poder global, entender essa origem nos ajuda a refletir sobre o posicionamento do Brasil no cenário internacional contemporâneo, entre multilateralismo e interesses regionais.
Mais detalhes: História da Independência do Brasil (vol. 137) / O Ano da Independência (vol. 138) / Bicentenário da Independência, Legados e Desafios / Maria Quitéria – Wikipédia, a enciclopédia livre