Muitas pessoas conhecem Josef Mengele, o “Anjo da Morte”, pelos horrores de seus experimentos em Auschwitz, mas poucos sabem que ele morreu no Brasil, em uma praia do litoral paulista, após quase duas décadas vivendo como fugitivo. Sua trajetória, desde a infância, a ascensão no Partido Nazista, os crimes em campos de concentração, a fuga para a América do Sul e a vida clandestina no Brasil, revela não só o perfil de um dos homens mais infames da história, mas também as falhas na busca por justiça após o Holocausto. Este texto explora sua infância, filiação ao Partido Nazista, atrocidades, fuga, vida no Brasil, morte e a caçada conduzida pelo Mossad.
Infância e formação
Josef Mengele nasceu em 16 de março de 1911, em Günzburg, Baviera, Alemanha, como o primogênito de Karl e Walburga Mengele, uma família católica abastada que possuía uma empresa de equipamentos agrícolas. Cresceu em um ambiente privilegiado, com uma personalidade ambiciosa que o levou a se destacar academicamente. Estudou Medicina e Antropologia nas universidades de Munique e Frankfurt, obtendo doutorados em ambas as áreas em 1935 e 1938, respectivamente. Durante seus estudos, foi profundamente influenciado pelas teorias raciais e eugênicas que permeavam a academia alemã, ideias que moldariam suas ações no futuro. Em 1931, ingressou na Stahlhelm, uma organização paramilitar e, em 1933, tornou-se membro da SA (Sturmabteilung), uma milícia nazista, embora tenha deixado de participar ativamente em 1934.
Filiação ao Partido Nazista e ascensão
Mengele filiou-se ao Partido Nazista em 1937 e à SS (Schutzstaffel) em 1938, alinhando-se completamente com a ideologia racista do regime. Em 1940, juntou-se à Waffen-SS, servindo inicialmente como médico militar na Frente Oriental, onde foi ferido em 1942. Em 1943, foi transferido para Auschwitz, onde se tornou médico-chefe do campo de Birkenau. Nesse papel, ganhou notoriedade por sua crueldade, selecionando prisioneiros para as câmaras de gás e conduzindo experimentos médicos desumanos, especialmente em gêmeos, anões e pessoas com características físicas específicas, como heterocromia.
Atrocidades em Auschwitz
Apelidado de “Anjo da Morte”, Mengele realizou experimentos sádicos em Auschwitz, justificando-os com base em teorias raciais nazistas. Seus estudos com gêmeos buscavam provar a supremacia da hereditariedade sobre o ambiente, visando reforçar a ideologia da superioridade ariana. Ele injetava doenças em um gêmeo para observar o progresso em comparação com o outro, frequentemente matando ambos para dissecção. Outras atrocidades incluíam testes de resistência a temperaturas extremas, como imersão em água fervente ou gelada, injeções de substâncias químicas, como cimento líquido em úteros para esterilização, e cirurgias sem anestesia. Um exemplo particularmente cruel foi relatado pela sobrevivente Jona Laks, que descreveu cirurgias e extrações de órgãos sem anestesia. Mengele também mantinha uma coleção de olhos humanos para estudos sobre heterocromia, assassinando prisioneiros para obtê-los. Estima-se que ele tenha experimentado em mais de 3.000 gêmeos, com apenas cerca de 200 sobreviventes.
Fuga da Europa
Com a derrota alemã iminente em 1945, Mengele fugiu de Auschwitz em janeiro, passando por diversos campos antes de se render aos Aliados como oficial do exército alemão, sem ser identificado como criminoso de guerra. Libertado em agosto de 1945, trabalhou como lavrador na Baviera sob um nome falso até 1949. Com apoio de uma rede de ex-membros da SS, obteve um passaporte falso como “Helmut Gregor” e fugiu para a Argentina em julho de 1949, com ajuda do Comitê Internacional da Cruz Vermelha. Viveu em Buenos Aires, trabalhando como carpinteiro e depois como vendedor para a empresa familiar. Em 1954, divorciou-se de sua esposa Irene, que se recusou a acompanhá-lo.
A captura de Adolf Eichmann pelo Mossad em 1960, na Argentina, aumentou o medo de Mengele de ser descoberto. Ele fugiu para o Paraguai, onde obteve cidadania com a ajuda de simpatizantes nazistas, e, em 1961, mudou-se para o Brasil, temendo extradição.
Vida no Brasil

Mengele chegou ao Brasil em 1961, inicialmente vivendo como “Peter Hochbichler” em Nova Europa, São Paulo, com a ajuda de expatriados húngaros, Géza e Gitta Stammer, que compraram uma fazenda com investimento dele. Em 1963, os Stammer descobriram sua verdadeira identidade, mas foram convencidos a não denunciá-lo. Mengele viveu em várias cidades paulistas, como Serra Negra, Caieiras, Diadema e Eldorado, adotando o nome “Wolfgang Gerhard” nos anos 1970, após o verdadeiro Gerhard retornar à Áustria. Apesar de sua paranoia e medo constante de captura, ele levava uma vida relativamente confortável, frequentando churrascarias, viajando para cachoeiras e praias, e mantendo correspondência com sua família na Alemanha, que sempre soube de seu paradeiro.
Mengele mantinha um perfil discreto, mas não completamente isolado. Segundo cartas obtidas pela Polícia Federal, ele passeava com cães, lia Goethe, ouvia Strauss e até assistia a novelas brasileiras, embora expressasse desdém racista pelo país e críticas à corrupção local. Sua rede de apoio, composta por simpatizantes nazistas e pessoas que desconheciam sua identidade, foi crucial para sua permanência incógnita. Um exemplo marcante é Liselotte Bossert, sua ex-professora, que o abrigou e enterrou seu corpo após sua morte.
Morte em Bertioga

Josef Mengele morreu em 7 de fevereiro de 1979, aos 67 anos, na Praia da Enseada, em Bertioga, litoral de São Paulo. Segundo o boletim de ocorrência registrado pelo cabo da Polícia Militar Espedito Dias Romão, ele sofreu um derrame enquanto nadava, resultando em afogamento. Foi enterrado em Embu das Artes, sob o nome falso de Wolfgang Gerhard. Sua morte passou despercebida até 1985, quando sua família revelou às autoridades alemãs que ele estava morto, apontando cartas trocadas com seu filho Rolf e um funcionário da empresa familiar.
A exumação ocorreu em junho de 1985, sob a supervisão do delegado Romeu Tuma, superintendente da Polícia Federal em São Paulo. O legista Daniel Romero Muñoz, do Instituto Médico Legal de São Paulo, liderou a análise dos restos, que revelou fraturas antigas na bacia, ombro, clavícula e maxilar, consistentes com registros médicos de Mengele. Apesar de críticas de legistas alemães à condução da exumação, a identidade foi confirmada em 1992 por testes de DNA na Inglaterra, com amostras fornecidas por Rolf Mengele. Desde 2016, seu esqueleto é usado como material didático na USP.



Busca pelo Mossad e fontes do governo israelense
O Mossad, serviço secreto israelense, esteve perto de capturar Mengele no Brasil. Em 1961, após a captura de Eichmann, o agente Zvi Aharoni liderou uma equipe que localizou Mengele em uma área rural de São Paulo, identificando-o como um “europeu” suspeito. Um plano de captura foi elaborado, mas, em 1962, Isser Harel, diretor do Mossad, interrompeu a operação devido a tensões no Oriente Médio, especialmente com o Egito, que desenvolvia um programa de mísseis. Em 1964 e 1967, o Mossad tentou rastrear Mengele por meio de sua ex-esposa Martha, mas sem sucesso. Em 1977, sob o governo de Menachem Begin, a busca foi retomada, mas não avançou.
Fontes oficiais do governo israelense, como arquivos do Mossad citados por Betina Anton em Baviera Tropical, confirmam que a agência tinha informações sobre Mengele no Brasil, mas priorizou questões geopolíticas. O Yad Vashem, Memorial do Holocausto em Israel, documenta as atrocidades de Mengele, mas não detalha operações específicas do Mossad. A falta de cooperação internacional e a rede de apoio de Mengele dificultaram sua captura.
A vida de Josef Mengele no Brasil, marcada por quase 18 anos de impunidade, reflete a complexidade da fuga de nazistas após a Segunda Guerra. Sua habilidade em se esconder, apoiada por uma rede fiel e pela despriorização de sua captura pelo Mossad, permitiu que vivesse relativamente tranquilo até sua morte em Bertioga. A confirmação de sua identidade em 1985, embora tenha encerrado a busca, reforçou a frustração de que ele nunca enfrentou a justiça. A história de Mengele, detalhada em obras como Baviera Tropical, serve como um lembrete da necessidade de preservar a memória do Holocausto e de questionar como criminosos de guerra conseguiram escapar por tanto tempo.
Mais detalhes: Josef Mengele | Enciclopédia do Holocausto / “Baviera Tropical”: os anos de Josef Mengele no Brasil – DW – 11/11/2023 / As últimas horas do monstro nazista no Brasil | Brasil | EL PAÍS Brasil / Como o corpo do médico nazista Josef Mengele foi decoberto no Brasil anos após sua morte / Josef Mengele: A vida do médico nazista “anjo da morte” no Brasil / Nazismo: a segunda morte de Josef Mengele no Brasil – BBC News Brasil / Como o médico nazista Josef Mengele viveu com regalia no Brasil – Nexo Jornal / Josef Mengele – Wikipédia, a enciclopédia livre / Auschwitz survivors return as world remembers Nazi death camp 80 years on