Vamos mergulhar em um dos capítulos mais controversos e sombrios da história moderna da China: o intitulado “Grande Salto Adiante”. Lançado em 1958 pelo líder comunista Mao Zedong, esse plano econômico e social prometia transformar a China de uma sociedade agrária em uma potência industrializada em poucos anos. No entanto, o que se seguiu foi uma catástrofe humanitária de proporções épicas, com milhões de mortes e lições duras sobre os perigos de políticas ideológicas radicais.
Contexto Histórico: Das Reformas Iniciais ao Sonho de Mao
Após a fundação da República Popular da China em 1949, Mao Zedong e o Partido Comunista Chinês (PCC) implementaram reformas agrárias que redistribuíram terras de latifundiários para camponeses pobres, eliminando práticas como o casamento infantil e a dependência do ópio. O primeiro Plano Quinquenal (1953-1957) trouxe crescimento econômico impressionante: a economia expandiu quase 9% ao ano, com a produção agrícola aumentando 4% e a industrial explodindo em 19%. A expectativa de vida subiu 20 anos nesse período. Mas Mao, insatisfeito com o modelo soviético e alarmado por revoltas na Europa Oriental, decidiu acelerar o processo. Ele acreditava que a mobilização em massa poderia superar qualquer obstáculo, ignorando especialistas e princípios econômicos básicos.
O Grande Salto Adiante foi anunciado em janeiro de 1958, durante uma reunião em Nanning. Mao visava industrializar o país paralelamente ao desenvolvimento agrícola, usando a vasta força de trabalho barata para evitar importações de máquinas pesadas. Isso veio após a Campanha das Cem Flores (1956-1957), que incentivou críticas ao partido, mas terminou em repressão com a Campanha Antidireitista, silenciando opositores e intelectuais.
Objetivos: Um Salto para o Futuro Comunista
Os objetivos eram ambiciosos: transformar a China em uma sociedade socialista moderna, superando a Grã-Bretanha na produção de aço em 15 anos e alcançando o comunismo antes da União Soviética. Mao enfatizava a “Teoria das Forças Produtivas”, priorizando o aumento da produção para sustentar o socialismo. O foco estava em:
- Aumento da produção agrícola e industrial: Através de coletivização total, com comunas populares substituindo propriedades privadas.
- Mobilização em massa: Usar o povo para construir infraestrutura, como barragens e canais de irrigação, sem depender de tecnologia avançada.
- Auto-suficiência: As comunas deveriam ser unidades econômicas e políticas independentes, incorporando agricultura, indústria leve e serviços.
Mao previa que a “entusiasmo revolucionário” compensaria a falta de recursos, mas isso ignorava realidades econômicas e técnicas.
Métodos de Implementação: Coletivização e Fornalhas Caseiras
A implementação foi radical. Até o final de 1958, cerca de 25 mil comunas foram criadas, cada uma com uma média de 5 mil famílias. Propriedades privadas foram abolidas, e cozinhas comunais foram introduzidas para liberar mulheres para o trabalho. Políticas incluíam:
- Agricultura coletivizada: Técnicas experimentais como plantio denso e arado profundo, inspiradas em ideias soviéticas desacreditadas.
- Industrialização rural: Fornalhas caseiras em quintais para produzir aço a partir de sucata, com metas irrealistas de dobrar a produção em um ano.
- Mobilização forçada: Camponeses foram realocados para projetos de irrigação e construção, muitas vezes sem planejamento adequado.
Oficiais locais, temendo punições, exageravam relatórios de produção para agradar o partido, criando uma bolha de mentiras que agravou os problemas.
Falhas e Impactos: A Grande Fome Chinesa
O Grande Salto Adiante fracassou espetacularmente. A diversão de mão de obra para projetos industriais e a adoção de métodos agrícolas falhos levaram a uma queda drástica na produção de grãos. Secas e inundações em 1959-1961 pioraram a situação, mas o desastre foi principalmente humano: grãos foram exportados para manter aparências, enquanto camponeses morriam de fome.
- Impactos econômicos: A produção de aço era de baixa qualidade e inutilizável; investimentos industriais não geraram crescimento real. A economia contraiu, com uma queda de 82% nos investimentos industriais entre 1960 e 1962.
- Impactos sociais: Torturas, sessões de luta pública e trabalho forçado ocorreram. Mulheres ganharam papéis no trabalho, mas a fome reduziu a fertilidade e destruiu famílias.
A fome resultante (1959-1961) é considerada a pior da história humana, com estimativas de mortes variando de 15 a 55 milhões. Fontes ocidentais, como Frank Dikötter, estimam pelo menos 45 milhões, incluindo 2,5 milhões mortos por violência. Relatos incluem canibalismo e consumo de cascas de árvores.
Consequências de Longo Prazo: Reformas e Lições
O fracasso forçou Mao a ceder poder temporariamente para líderes pragmáticos como Liu Shaoqi e Deng Xiaoping, que iniciaram reformas em 1962, devolvendo terras privadas e priorizando expertise sobre ideologia. Isso pavimentou o caminho para as reformas de Deng nos anos 1970, que incorporaram elementos de mercado e impulsionaram o crescimento chinês moderno.
Ecologicamente, houve desmatamento maciço e danos a terras agrícolas. Socialmente, avanços como educação rural e igualdade de gênero foram ofuscados pelo caos. Mao, culpando “direitistas” e desastres naturais, lançou a Revolução Cultural em 1966 para reconquistar poder.
Perspectivas variam: Visões oficiais chinesas minimizam o papel de Mao, atribuindo falhas a “erros” e calamidades externas. Historiadores ocidentais, como Yang Jisheng, enfatizam o totalitarismo e a rigidez ideológica como causas principais, comparando-o a outros desastres socialistas.
O Grande Salto Adiante ilustra os perigos de políticas baseadas em ideologia cega, sem accountability ou expertise. Embora a China tenha se recuperado e se tornado uma superpotência econômica, o custo humano foi incalculável. Hoje, o tema permanece sensível na China, com discussões censuradas.
Mais detalhes: Great Leap Forward – Wikipedia / The Causes of China’s Great Leap Famine, 1959–1961 on JSTOR / The Great Chinese Famine | The Oxford Companion to the Economics of China | Oxford Academic / Tombstone: The Great Chinese Famine, 1958–1962 – Association for Asian Studies / China’s great famine: 40 years later – PMC / Great Chinese Famine – Wikipedia / A grande fome de Mao | Amazon.com.br / China’s Great Famine: the true story /
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