Brasil e URSS
Por que o Brasil hesitou tanto em reconhecer a União Soviética? E, quando finalmente cedeu, o que isso revelou sobre nossa posição no mundo? Essa história, menos falada do que merece, é um espelho das escolhas que moldam nações. Entre 1922 e 1945, mantivemos silêncio; em 1945, um breve gesto de aproximação; em 1947, o afastamento; e, em 1961, a retomada. Quem foram os homens por trás dessas decisões? Como o comércio e a política brasileira se transformaram? Mais que datas, essas viradas nos perguntam: o que pesa mais, o medo do outro ou o desejo de construir pontes?
1922-1945
Quando a URSS surgiu, em 1922, o Brasil, ainda na Velha República, optou por manter distância. Presidentes como Arthur Bernardes e Washington Luís não viam com bons olhos o governo comunista. Era uma época em que o medo do “perigo vermelho” era muito forte, amplificado pela influência dos Estados Unidos na região. Com Getúlio Vargas no poder a partir de 1930, essa postura se intensificou, especialmente durante o Estado Novo (1937-1945). O levante comunista de 1935, conhecido como Intentona Comunista, só reforçou a desconfiança.
Curiosamente, mesmo sem laços oficiais, houve contatos discretos. Um exemplo é a visita do cientista soviético Nikolai Vavilov ao Brasil, em 1933, para discutir agricultura. Pequenos gestos como esse mostram que o isolamento não era total. Mas fica a dúvida: será que o Brasil perdeu oportunidades ao se fechar tanto? Poderia ter explorado parcerias comerciais ou científicas?
1945-1947
A Segunda Guerra Mundial mudou o cenário. Em abril de 1945, com o Brasil alinhado aos Aliados, Vargas autorizou o reconhecimento da URSS. Era um momento de união contra um inimigo comum, e a decisão parecia natural. No entanto, a trégua durou pouco. Em 1947, já sob a presidência de Eurico Gaspar Dutra, as relações foram rompidas. A Guerra Fria começava, dividindo o mundo entre o bloco liderado pelos EUA e o soviético. Dutra, alinhado a Washington, não só cortou laços com a URSS como declarou o Partido Comunista Brasileiro (PCB) ilegal.
Esse recuo levanta questões: será que o Brasil se limitou ao seguir tão de perto os Estados Unidos? A escolha trouxe segurança, mas será que sacrificamos autonomia e possibilidades econômicas no processo?
1947-1961
Entre 1947 e 1961, as relações diplomáticas ficaram suspensas, mas o comércio encontrou caminhos. A URSS negociava com o Brasil por meio de uma empresa em Buenos Aires, a Yuzhamtorg, mostrando que interesses econômicos resistem até aos embargos políticos. Um passo importante veio com Juscelino Kubitschek, que, em 1959, abriu as portas para acordos comerciais. Ele entendia que diversificar parceiros era essencial para o crescimento do país.
O grande marco, porém, foi em 1961. Jânio Quadros, com sua Política Externa Independente, queria um Brasil menos dependente dos EUA. Ele deu o pontapé para reatar com a URSS, e João Goulart, que assumiu após a renúncia de Quadros, consolidou o acordo em novembro de 1961. Tancredo Neves, então primeiro-ministro, e San Tiago Dantas, ministro das Relações Exteriores, foram peças-chave nas negociações. A decisão, porém, não veio sem polêmica. Setores conservadores e a Igreja Católica temiam uma guinada ao comunismo.
Os Efeitos do Reconhecimento
Com o restabelecimento das relações em 1961, o Brasil abriu novas perspectivas. No campo econômico, o impacto foi claro: começamos a importar petróleo, trigo e fertilizantes da URSS, enquanto exportávamos café em grande escala. Em 1983, o comércio bilateral alcançou US$ 835 milhões, um número impressionante. Curiosamente, mesmo durante a ditadura militar (1964-1985), que combatia o comunismo internamente, as relações com a URSS foram mantidas. Por quê? O pragmatismo econômico falou mais alto.
Na diplomacia, o Brasil ganhou liberdade. A Política Externa Independente permitiu ao país dialogar com o movimento dos não-alinhados, buscando um espaço próprio no tabuleiro global. Internamente, porém, a reaproximação gerou tensões. A decisão de 1961 foi usada como argumento por setores conservadores contra Goulart, cujo governo caiu em 1964. Será que o medo do comunismo foi apenas um pretexto? Ou havia um receio genuíno de perder o controle político?
A relação com a URSS revela como interesses econômicos podem superar barreiras ideológicas, mas também mostra os custos de decisões ousadas. Hoje, com a Rússia como sucessora da URSS, o Brasil mantém laços importantes. Como podemos equilibrar independência e pragmatismo num mundo tão dividido?
O que você acha? O Brasil poderia ter agido de forma diferente? E agora, como podemos usar essas lições para navegar os desafios geopolíticos de hoje? Deixe suas ideias nos comentários — essa conversa está apenas começando.
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