Karl Popper

©Ingrid Von Kruse

Karl Popper e a Sociedade Aberta

Hoje vamos falar da concepção de Karl Popper sobre as sociedades abertas. Mais especificamente, do seu clássico livro “A Sociedade Aberta e Seus Inimigos”, onde ele questiona as ideias de grandes pensadores como Karl Marx, Friedrich Engels e Platão. Popper, um defensor sagaz da democracia liberal, atacou todas as formas de totalitarismo que marcaram o século XX, com destaque para o comunismo. Seu ataque, no entanto, não foi apenas político, mas também epistemológico: ele concentrou suas críticas na ideia de historicismo, a crença de que a história segue leis inevitáveis rumo a um destino predeterminado.

Mas antes de mergulharmos em suas ideias, vale conhecer um pouco sobre quem foi Popper. Karl Raimund Popper nasceu em Viena, em 1902, no coração do império austro-húngaro, uma época marcada por profundas mudanças sociais, políticas e intelectuais. Ele viveu intensamente os acontecimentos do século XX: as duas guerras mundiais, a ascensão de regimes totalitários, a Guerra Fria e o início da reconstrução democrática na Europa. Foi nesse contexto, em 1945, enquanto o mundo ainda lidava com os destroços da Segunda Guerra Mundial, que Popper publicou seu livro. A obra é uma resposta ao autoritarismo que ele viu prosperar em regimes como o nazismo e o comunismo soviético, e um apelo apaixonado pela liberdade e pelo poder crítico da razão.

Os Perigos da Engenharia Social

Um dos temas centrais do livro é o perigo da engenharia social em larga escala promovida por aqueles que alegam conhecer o modelo ideal de uma sociedade utópica. Para Platão, essa utopia era representada pela República, governada por reis-filósofos que, supostamente, possuíam uma visão epistêmica perfeita e saberiam o que seria melhor para todos. Para Marx, a sociedade ideal era a comunista, uma estrutura igualitária que emergiria das cinzas do capitalismo. Lenin, por sua vez, adicionou uma nova camada a essa ideia, argumentando que o processo histórico poderia ser acelerado por revolucionários que, ao incendiar a sociedade, criariam as condições necessárias para a revolução.

Popper rejeitava completamente essas concepções. Ele acreditava que nossa ignorância sobre o funcionamento completo da sociedade tornava qualquer tentativa de transformá-la em larga escala extremamente perigosa. Para ele, essas experiências de engenharia social, com sua promessa de utopias, eram nada mais que ilusões mortais que inevitavelmente terminavam em desastres humanos.

Infelizmente, a história provou Popper correto. O legado da União Soviética de Stalin e da China de Mao é um exemplo doloroso das consequências dessas tentativas de implementar modelos sociais “perfeitos”. Ao invés de utopias, o que surgiu dessas experiências foi repressão, sofrimento e violência em proporções catastróficas. Para Popper, a sociedade aberta, com sua pluralidade, liberdade de crítica e capacidade de corrigir erros, era a única alternativa viável e ética frente às promessas vazias de sociedades idealizadas.

Agora que sabemos quem foi Popper e o que o motivou a escrever essa obra, vamos explorar o conceito de sociedade aberta.

O Que é, Afinal, uma Sociedade Aberta?

Popper descreve a sociedade aberta como aquela que privilegia a liberdade, o debate e a constante correção de rumos. É uma sociedade onde o indivíduo tem espaço para questionar, criticar e até mesmo errar. Aqui, nada está gravado em pedra: as ideias, as tradições, as crenças – tudo pode ser questionado.

Mas o que realmente me fascina no conceito de Popper é o contraste que ele traça com o oposto: a sociedade fechada. Esta última, segundo ele, é caracterizada pelo dogmatismo, pelo autoritarismo e pela crença de que há uma verdade absoluta que não pode ser desafiada. Sabe aquela ideia de “porque sempre foi assim”? Pois é, ela vive e prospera na sociedade fechada.

A Filosofia por Trás da Sociedade Aberta

O coração do conceito de sociedade aberta está em outro pilar do pensamento de Popper: o racionalismo crítico. Para Popper, o conhecimento humano é sempre provisório. Não há verdades absolutas, apenas teorias que podem – e devem – ser testadas, criticadas e, se necessário, descartadas. Aplicado à sociedade, isso significa que nossas instituições, nossas leis e até mesmo nossos valores devem estar abertos ao escrutínio. Nada está acima da crítica.

E aqui entra uma questão incômoda: estamos prontos para isso? É fácil defender a liberdade de expressão, mas será que aceitamos a crítica quando ela vai contra aquilo em que acreditamos? Popper nos faz olhar no espelho e nos perguntar: até que ponto somos realmente abertos?

Os Inimigos da Sociedade Aberta

Uma das partes mais importantes do trabalho de Popper é sua análise dos inimigos da sociedade aberta. E não, ele não estava falando de ditadores ou regimes autoritários, pelo menos não diretamente. Ele estava falando de ideias. Para Popper, certas filosofias – especialmente aquelas que oferecem explicações deterministas da história – são perigosas.

Ele mirou diretamente em pensadores como Platão, Hegel e Marx, argumentando que suas teorias abrem caminho para a tirania. Popper acreditava que a ideia de que há um destino histórico inevitável – seja o “governo dos sábios” de Platão ou a revolução proletária de Marx – é uma ameaça à liberdade. Afinal, se o futuro já está decidido, para que discutir? Para que questionar?

O Humor de Questionar o Obvio

O mais curioso é que a sociedade aberta, apesar de soar libertadora, dá um baita trabalho. É quase como montar um quebra-cabeça que nunca termina. Quando achamos que encaixamos uma peça, surge outra questão, outro ângulo, outra crítica. Mas, como Popper diria, esse é o preço da liberdade. E pensando bem, é um preço justo.

Por outro lado, é engraçado pensar em como somos, muitas vezes, contraditórios. Exaltamos a liberdade, mas nos irritamos quando alguém discorda de nós. Queremos inovação, mas tememos o incômodo das mudanças. E é exatamente esse desconforto que Popper nos pede para aceitar. Afinal, quem disse que uma sociedade aberta seria confortável? Não haveria espaço para extremismos e dicotomias.

As Formas de Governo na Visão de Popper: Entre Comunismo, Socialismo e Democracia Liberal

Karl Popper era um defensor fervoroso da democracia liberal como a forma de governo mais alinhada com o conceito de sociedade aberta. Para ele, a principal virtude da democracia não estava em garantir que os líderes fossem “os melhores” – uma ideia que ele considerava um mito – mas em permitir que os cidadãos pudessem corrigir os erros do governo sem recorrer à violência. Popper acreditava que a democracia era a única forma de governo que possibilitava uma mudança de líderes de maneira pacífica e institucional.

A Crítica ao Comunismo

Popper foi um crítico ferrenho do comunismo, especialmente da ideia marxista de um destino histórico inevitável. Ele via o marxismo como um exemplo clássico de “historicismo”, a crença de que a história segue leis predeterminadas que levam a um fim inevitável – no caso de Marx, a revolução proletária e o estabelecimento de uma sociedade comunista.

Para Popper, essa visão era perigosa porque justificava o autoritarismo em nome de um futuro utópico. Ele apontava que regimes comunistas, como os da União Soviética, acabavam sacrificando a liberdade individual e a pluralidade de ideias em nome de uma ideologia dogmática. No fim, os regimes comunistas, segundo ele, se tornavam sociedades fechadas, onde a crítica era suprimida e a dissidência, punida.

A Visão sobre o Socialismo

Popper fazia uma distinção importante entre socialismo e comunismo. Ele não era totalmente contrário ao socialismo, especialmente no sentido de políticas sociais que visassem reduzir desigualdades. No entanto, ele era cético em relação a sistemas socialistas que buscassem concentrar todo o poder econômico no Estado. Para Popper, qualquer sistema que eliminasse a propriedade privada ou centralizasse o controle econômico corria o risco de sufocar a liberdade individual e abrir caminho para o autoritarismo.

A Defesa da Democracia Liberal

A democracia liberal, para Popper, era a melhor opção justamente por ser imperfeita. Pode parecer paradoxal, mas ele acreditava que sua força estava na capacidade de corrigir erros. Em um sistema democrático, as instituições permitem que políticas fracassadas sejam substituídas e que líderes incapazes sejam removidos sem revoluções ou derramamento de sangue.

Popper argumentava que a democracia não garantia o “bom governo”, mas criava mecanismos para evitar o “mau governo”. Ele via a liberdade de expressão, a separação de poderes e o estado de direito como pilares fundamentais de uma sociedade que pudesse se autotransformar continuamente.

A Crítica de Popper ao Coletivismo: Quando o Todo Suprime o Indivíduo

Karl Popper foi um crítico contundente do coletivismo, especialmente das formas em que ele era empregado para justificar regimes autoritários e políticas que, segundo ele, colocavam o “todo” acima dos direitos e liberdades do indivíduo. Para Popper, o coletivismo era uma filosofia perigosa, pois frequentemente se apresentava como um ideal de solidariedade e bem comum, mas na prática resultava em opressão, dogmatismo e supressão da diversidade.

Popper define o coletivismo como a ideia de que o bem coletivo deve ser priorizado acima de tudo, muitas vezes em detrimento das necessidades e liberdades dos indivíduos. No papel, essa ideia pode parecer nobre – afinal, quem seria contra trabalhar pelo bem maior? No entanto, Popper argumenta que o coletivismo tem uma armadilha perigosa: ao priorizar o “bem coletivo”, ele frequentemente se torna uma justificativa para autoritarismos, uma vez que alguém precisa decidir o que é esse “bem maior”. E, geralmente, essas decisões vêm de líderes ou grupos que se colocam acima da crítica.

Popper via no coletivismo um dos alicerces filosóficos que davam sustentação ao totalitarismo. Ele argumentava que regimes como o nazismo e o comunismo soviético usavam o discurso coletivista para justificar atrocidades. No nazismo, o coletivo era a “nação” ou a “raça ariana”; no comunismo soviético, era o “proletariado”. Em ambos os casos, o coletivo era colocado acima dos indivíduos, e qualquer um que se opusesse ao “bem maior” era considerado inimigo do sistema.

A Ilusão do “Destino Coletivo”

Popper também criticava a ideia de que existe um destino coletivo inevitável – uma crença comum em filosofias historicistas como o marxismo. Ele rejeitava a ideia de que a história segue uma trajetória predeterminada em direção a um objetivo final, como a utopia comunista. Para ele, essa visão era perigosa porque, ao justificar o presente com base em um futuro idealizado, líderes e regimes podiam cometer atrocidades sem se sentirem responsáveis. Afinal, “o sofrimento do presente é justificado pelo paraíso do futuro”.

Essa crença, segundo Popper, é uma das mais perniciosas do coletivismo. Ela desumaniza o presente em nome de uma promessa abstrata, e, no processo, os indivíduos são tratados como peças descartáveis de uma engrenagem histórica. Ele argumentava que as sociedades deveriam focar em resolver os problemas concretos do presente, em vez de perseguir fantasias grandiosas de um futuro perfeito.

A Atualidade de Popper

Agora, olhando para o mundo de hoje, eu me pergunto: estamos vivendo em sociedades realmente abertas? Em tempos de polarização extrema, bolhas informacionais e a ascensão de novos autoritarismos, parece que o conceito de sociedade aberta nunca foi tão relevante – e tão desafiado.

No fim, a sociedade aberta é um convite. Um convite para questionar, para errar, para debater e, acima de tudo, para não aceitar nada como definitivo. E você, está pronto para aceitar o convite?

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Fontes: Recordando Karl R. Popper (1902-1994), 20 anos após sua morte: A sociedade Aberta e os Seus InimigosThe Open Society and Its Enemies – Wikipedia / Karl R. Popper – A Sociedade Aberta e Seus Inimigos / A Gênese do Totalitarismo no Historicismo Platônico: Karl Popper e a sociedade aberta e seus inimigos / The Open Society and its enemies: Karl Popper’s legacy | LSE History

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