Embargo dos EUA a Cuba: Expropriação, Comércio e as Sanções

No dia 30 de outubro, a Assembleia Geral da ONU votou, mais uma vez, a resolução que pede o fim do embargo econômico dos Estados Unidos a Cuba. A votação trouxe números contundentes: 187 países apoiaram a resolução, apenas dois votos contrários – dos próprios Estados Unidos e de seu aliado Israel – e uma abstenção da Moldávia. É uma cena que se repete quase todos os anos, e a pergunta que fica é: por que, com apoio tão massivo contra o embargo, ele permanece?

Esses números nos dizem muito sobre como a comunidade internacional enxerga o embargo. Em grande parte do mundo, ele é visto como uma relíquia da Guerra Fria, um símbolo de uma época de tensões que já não faz mais sentido no contexto atual. Mas, para Washington, o embargo continua sendo uma questão de política externa e de controle ideológico. Como esse embargo foi criado e como impactou a vida em Cuba ao longo das décadas? Vamos explorar essa história, que envolve expropriações, sanções e até brechas inesperadas, para entender o que está em jogo.

Expropriação das Empresas Americanas: A virada decisiva

Logo após a revolução de 1959, o novo governo cubano, liderado por Fidel Castro, começou a implementar uma série de reformas agrárias e econômicas. O objetivo era redistribuir a riqueza e reduzir a influência estrangeira na economia, que até então dependia muito dos investimentos americanos. Na época, empresas americanas controlavam uma parte significativa dos setores de açúcar, tabaco, turismo, e até mesmo das utilidades públicas, como eletricidade e telefonia.

Entre 1959 e 1960, Castro lançou uma ofensiva para nacionalizar essas empresas. Inicialmente, o governo cubano tentou negociar indenizações com os Estados Unidos, mas Washington exigia que Cuba pagasse um valor que o governo cubano considerava inaceitável. Como resultado, empresas gigantes americanas, como a United Fruit Company (que tinha vastas propriedades agrícolas em Cuba), a Texaco e a Standard Oil (com fortes investimentos no setor de refino de petróleo) foram expropriadas sem compensação.

Essa decisão foi vista como uma afronta pelos EUA, que rapidamente reagiram. Para eles, a expropriação sem pagamento violava os direitos de propriedade de suas empresas e, ainda mais, punha em risco os interesses econômicos americanos na região. Essa foi a gota d’água que levou os EUA a impor o embargo, uma tentativa de pressionar Cuba a reverter essas nacionalizações. No entanto, Cuba não cedeu, e o embargo foi se tornando cada vez mais abrangente.

Com o embargo oficialmente iniciado em 1962, o comércio entre Cuba e os EUA foi proibido. Porém, ao longo dos anos, foram criadas algumas exceções específicas para a venda de alimentos e medicamentos. Em 2000, o Congresso dos EUA aprovou a Lei de Reforma das Sanções Comerciais e Expansão das Exportações, que permitiu pela primeira vez, desde o embargo, a exportação de alimentos e remédios para Cuba. Isso foi um ponto importante, mas com ressalvas: essas transações só podiam ocorrer mediante pagamento antecipado e em dinheiro, o que tornava as compras difíceis para Cuba, que enfrenta uma crônica falta de divisas estrangeiras.

A Lei de Reforma das Sanções Comerciais e Expansão das Exportações

Falamos tanto do embargo, mas poucos conhecem uma lei americana que abriu uma brecha importante para o comércio com Cuba: a Lei de Reforma das Sanções Comerciais e Expansão das Exportações, aprovada pelo Congresso dos Estados Unidos em 2000. Essa lei marcou um ponto de inflexão no embargo ao permitir a exportação de alimentos e remédios para Cuba, mas não sem uma série de condições que ainda tornam essas transações complicadas. Por que os EUA decidiram dar esse passo? E quais foram as verdadeiras intenções e limitações dessa “abertura”?

A lei surgiu em um momento de pressão econômica e humanitária, quando vozes dentro e fora dos EUA começaram a questionar o impacto humanitário do embargo, especialmente em áreas como saúde e alimentação. A ideia era permitir que Cuba comprasse bens essenciais, mas com uma condição restritiva: todas as transações precisariam ser pagas antecipadamente e em dinheiro, sem créditos ou financiamentos. Ou seja, a medida não aliviava totalmente o embargo, mas oferecia uma porta estreita, controlada e onerosa para Cuba adquirir produtos essenciais.

É interessante pensar sobre o propósito real dessa lei. Foi uma flexibilização genuína ou apenas uma forma de “aliviar” a imagem do embargo, sem realmente permitir um comércio mais fluido? Em muitos aspectos, essa exigência de pagamento antecipado é um obstáculo para um país que enfrenta crônicas limitações de divisas estrangeiras, limitando as transações ao mínimo.

Na prática, essa lei fez pouca diferença para a maioria dos cubanos, que ainda vivem com restrições econômicas intensas e com falta de produtos que afetam diretamente a qualidade de vida, como certos medicamentos e alimentos. Mas, ao mesmo tempo, a lei abriu uma pequena janela de esperança para alguns setores da economia cubana, que têm conseguido acessar produtos americanos em situações de emergência ou de alta necessidade.

Então, será que essa é uma verdadeira “brecha” ou apenas um gesto simbólico? Olhando para os desafios logísticos e financeiros, fica claro que a Lei de Reforma das Sanções Comerciais e Expansão das Exportações parece mais um ponto de equilíbrio entre o endurecimento total do embargo e uma imagem mais flexível para a política externa dos EUA.

Comércio com outros países: A presença Europeia em Cuba

Enquanto os Estados Unidos mantêm o embargo, outros países, especialmente na Europa, mantêm relações comerciais e até investimentos diretos em Cuba. Empresas de diversos setores, especialmente o turismo e a hotelaria, estão fortemente presentes na ilha. Redes hoteleiras de países como Espanha, França e Itália administram resorts e hotéis em Cuba, contribuindo significativamente para o setor turístico, que se tornou uma das principais fontes de divisas para o governo cubano.

Empresas como a espanhola Meliá Hotels International e a francesa Accor operam em parceria com o governo cubano, ajudando a dinamizar a economia da ilha e, ao mesmo tempo, garantindo uma entrada de capital internacional. Esse tipo de acordo é possível porque o embargo imposto pelos EUA não afeta diretamente empresas de outros países, embora, em algumas ocasiões, as sanções extraterritoriais americanas tenham tentado dissuadir empresas estrangeiras de negociar com Cuba.

Da parte do governo, houve a criação da “Financiera para el Turismo” (FINATUR) em 1992 pelo governo visava estimular o desenvolvimento econômico do setor de turismo, um setor chave em muitos países latino-americanos e caribenhos devido ao seu potencial de geração de divisas estrangeiras, emprego e crescimento das economias regionais. Essa instituição financeira teve como principal objetivo fornecer crédito a empresas turísticas locais, possibilitando investimentos em modernização e infraestrutura, essenciais para competir em um cenário global.

No entanto, a pressão dos EUA sobre empresas e bancos estrangeiros que fazem negócios com Cuba também é uma realidade. Os Estados Unidos impõem sanções secundárias a empresas de outros países que façam negócios com entidades cubanas que estão na lista negra do Departamento do Tesouro. Essa política de “sanções extraterritoriais” gera atrito com aliados históricos dos EUA, como os países europeus, que veem essas medidas como uma forma de interferência em suas políticas de comércio externo. A União Europeia, inclusive, criou leis para proteger suas empresas de retaliações americanas, defendendo o direito de seus negócios de atuar em Cuba sem penalidades.

O Embargo na Atualidade: Por que ele ainda existe?

Hoje, muitas pessoas se perguntam: por que o embargo a Cuba ainda está em vigor? Afinal, a Guerra Fria terminou há mais de três décadas, e o mundo mudou desde então. Nos últimos anos, houve tentativas de reaproximação, como as negociações iniciadas pelo presidente Barack Obama em 2014, que incluíram a reabertura das embaixadas e o afrouxamento de algumas restrições. Esse foi um momento de esperança para muitos cubanos e também para muitos americanos, que viam a possibilidade de um futuro com menos barreiras.

No entanto, a política voltou a endurecer sob o governo de Donald Trump, que reforçou o embargo com novas sanções. E a administração de Joe Biden, até agora, mantém parte dessas medidas. A justificativa oficial continua sendo a pressão por uma transição democrática em Cuba, além do desejo de conter o que é visto como repressão política e violações dos direitos humanos na ilha. Mas será que o embargo realmente cumpre esse papel? Ou será que ele acaba punindo mais o povo cubano do que o próprio governo?

O Impacto Econômico de Outras Relações Comerciais

Apesar do apoio europeu e de outros países como China e Rússia, o embargo americano tem um impacto significativo sobre a economia cubana. O acesso a tecnologias, equipamentos e bens de consumo é limitado, já que muitos produtos no mercado mundial possuem componentes ou tecnologias americanas. Como resultado, a economia cubana permanece dependente de um pequeno número de parceiros comerciais e enfrenta dificuldades constantes para modernizar sua infraestrutura e diversificar suas indústrias.

Durante os anos 60 e 70, a União Soviética ajudou a sustentar a ilha, fornecendo petróleo a preços acessíveis e comprando produtos cubanos, como o açúcar, a preços favoráveis. Com essa ajuda, Cuba conseguiu manter-se relativamente estável, investindo em áreas como saúde e educação, que se tornaram emblemáticas do sistema cubano. No entanto, essa dependência da URSS criou uma vulnerabilidade que se manifestou quando o bloco soviético entrou em colapso em 1991. Com o fim do apoio econômico soviético, Cuba entrou em uma grave crise econômica, conhecida como o “Período Especial”.

Sem o comércio e a assistência da União Soviética, a economia cubana sofreu um declínio abrupto. O PIB despencou, a escassez de alimentos se intensificou, e muitos cubanos passaram a viver em condições de extrema dificuldade. Para contornar a situação, o governo cubano adotou medidas de abertura econômica parcial, permitindo algumas atividades privadas e incentivando o turismo, que se tornou uma das principais fontes de receita para o país.

Além disso, a política americana afeta indiretamente o turismo. Embora Cuba possa receber turistas do mundo inteiro, as restrições de viagem para cidadãos americanos limitam o potencial de crescimento desse setor. Isso cria um cenário no qual Cuba depende quase exclusivamente do turismo europeu e canadense, além dos cubanos que vivem no exterior e enviam remessas para familiares, um setor que foi fortemente regulado nos últimos anos.

A Revolução Cubana e o Desafio Ideológico: Socialismo em um Mundo Capitalista

Quando Fidel Castro liderou a Revolução Cubana em 1959, a promessa era clara: um governo do povo, livre da exploração capitalista, onde os recursos e a riqueza seriam distribuídos de forma justa. Mas como sustentar uma economia socialista em um mundo amplamente dominado pelo capitalismo? É uma questão que deixa muitos de nós intrigados e que, até hoje, é um dos principais desafios para Cuba.

A Revolução Cubana nasceu de uma forte oposição ao capitalismo, que para Castro e seus aliados significava exploração, desigualdade e submissão ao imperialismo, especialmente ao dos Estados Unidos. A proposta era romper com esse modelo, nacionalizando empresas, redistribuindo terras e promovendo serviços públicos gratuitos, como saúde e educação. No entanto, essa visão idealista esbarrava em uma realidade econômica dura: como uma pequena ilha poderia sobreviver isolada em um mundo onde o mercado global é capitalista?

Logo após a revolução, Cuba sofreu grandes reveses econômicos ao perder investimentos estrangeiros e ao enfrentar o embargo americano. Para compensar, o país se alinhou economicamente à União Soviética, que passou a ser seu principal parceiro comercial e fonte de ajuda. Com o colapso da União Soviética em 1991, Cuba viu sua economia encolher drasticamente. Sem o apoio econômico dos soviéticos, a ilha entrou no “Período Especial”, uma crise severa que provocou escassez de alimentos, energia e bens essenciais. Imagine um país perdendo 35% do seu PIB em poucos anos – foi isso que aconteceu com Cuba.

Atualmente, o país enfrenta um dilema profundo. Em um mundo cada vez mais globalizado, as limitações ideológicas do socialismo cubano impactam diretamente sua economia. Sem o comércio com os Estados Unidos, Cuba depende de parcerias limitadas, principalmente com a Europa, o Canadá e alguns países da América Latina. O turismo é uma das principais fontes de receita, mas até mesmo nesse setor, as sanções americanas dificultam as operações financeiras e limitam o fluxo de dólares, já que os turistas americanos têm restrições para visitar a ilha.

Para sobreviver, Cuba permitiu pequenas concessões ao capitalismo, como o trabalho autônomo e a criação de pequenas empresas privadas, mas sempre com forte regulamentação do Estado. No entanto, mesmo com essas concessões, a economia cubana permanece estagnada.

Essa realidade coloca uma pergunta inevitável: é possível sustentar um governo socialista isolado em um mundo onde o capitalismo predomina? A ideia de uma economia planificada, onde o Estado controla e distribui os recursos, esbarra nos desafios do comércio moderno. Em um cenário onde produtos essenciais – desde tecnologia até alimentos – são produzidos por grandes economias capitalistas, como garantir a autossuficiência sem depender desses mesmos mercados?

Cuba é, em muitos aspectos, um caso emblemático de resistência ideológica, mas também de um paradoxo econômico. Para aqueles que acreditam em um sistema socialista puro, o exemplo cubano mostra o desafio de manter uma economia isolada, especialmente em tempos onde o comércio e a integração global são quase obrigatórios para a prosperidade econômica. E, para aqueles que defendem o capitalismo, a situação cubana levanta questões sobre o papel das sanções e o direito de um país escolher seu próprio caminho econômico, ainda que isso o deixe em uma posição vulnerável.

O embargo americano a Cuba é um exemplo vivo das complexidades da política internacional, onde interesses econômicos, direitos soberanos e a luta por ideais colidem e levantam questionamentos sobre os limites da ação econômica como ferramenta política.

Leituras Complementares:

ONU pede fim das sanções dos EUA contra Cuba | CNN Brasil

Pensando a Revolução Cubana: nacionalismo, política bifurcada e exportação da Revolução

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