Proclamação da Independência, de François-René Moreaux (1844)

Proclamação da Independência, de François-René Moreaux (1844)

A Geopolítica da Independência do Brasil

A Independência do Brasil, proclamada em 7 de setembro de 1822, não foi apenas um evento interno, mas um capítulo crucial na geopolítica global do século XIX. Em meio às guerras napoleônicas e ao declínio dos impérios coloniais, o Brasil emergiu como uma nação soberana, influenciada por alianças europeias, interesses comerciais e tensões atlânticas. Neste post, exploramos os arranjos geopolíticos da época, como o Brasil era visto pelas outras nações, quem apoiou ou se opôs ao processo, o alinhamento geopolítico brasileiro pós-independência, figuras chave na política externa e, por fim, algumas curiosidades históricas.

Os Arranjos Geopolíticos da Época e a Visão Internacional do Brasil

No início do século XIX, a Europa ainda se recuperava das Guerras Napoleônicas (1799-1815), que redesenharam o mapa político do continente. Portugal, aliado à Grã-Bretanha, sofreu invasão francesa em 1807, levando a corte portuguesa, liderada pelo príncipe regente Dom João (futuro João VI), a fugir para o Rio de Janeiro em 1808. Esse traslado transformou o Brasil de mera colônia em sede do império português, com a abertura dos portos em 1808 e a elevação a Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves em 1815. Essa mudança geopolítica enfraqueceu o pacto colonial e fomentou aspirações locais de autonomia.

Com o retorno de João VI a Portugal em 1821, as Cortes portuguesas tentaram recolonizar o Brasil, impondo medidas que reduziam sua autonomia, como a dissolução do governo central e a subordinação direta a Lisboa. Isso culminou na declaração de independência por Dom Pedro I, filho de João VI, às margens do rio Ipiranga. Geopoliticamente, o Brasil era visto como um território vasto e rico em recursos (açúcar, café, ouro), mas instável: para os europeus conservadores da Santa Aliança (Áustria, Prússia e Rússia), representava um risco de contágio revolucionário, similar às independências hispano-americanas. Já para potências liberais como a Grã-Bretanha, era uma oportunidade de expansão comercial, livre das restrições portuguesas. Os Estados Unidos, emergindo como potência hemisférica, viam o Brasil como aliado contra o colonialismo europeu, alinhado à Doutrina Monroe (1823).

Quem Aceitou e Quem Foi Contra?

O reconhecimento internacional foi gradual e estratégico. Os Estados Unidos foram os primeiros a reconhecer formalmente a independência em 1824, motivados por interesses comerciais e pela promoção de repúblicas nas Américas. Portugal, inicialmente opositor ferrenho, só aceitou em 1825 com o Tratado do Rio de Janeiro, mediado pela Grã-Bretanha, após uma guerra de independência (1822-1825) e o pagamento de uma indenização de 2 milhões de libras esterlinas pelo Brasil – valor emprestado pelos britânicos, criando uma dívida que moldaria a economia brasileira por décadas. A Grã-Bretanha também reconheceu em 1825, garantindo tratados comerciais favoráveis.

Contra a independência, destacam-se Portugal, que mobilizou tropas leais no Brasil (levando a combates em províncias como Bahia e Maranhão), e a Santa Aliança, que via o processo como ameaça à ordem monárquica europeia. No entanto, a manutenção da monarquia no Brasil (como Império) amenizou oposições, diferenciando-o das repúblicas radicais da América Espanhola. Espanha, ainda lidando com suas próprias perdas coloniais, manteve neutralidade hostil, mas sem intervenção direta.

O Alinhamento Geopolítico do Brasil Pós-Independência

“Sessão do Conselho de Estado”, quadro de Georgina de Albuquerque.

Após 1822, o Brasil alinhou-se pragmaticamente à Grã-Bretanha, tornando-se dependente de seu apoio naval e financeiro para consolidar a soberania. Essa aliança era essencial: a Marinha britânica ajudou a bloquear reforços portugueses, e tratados como o de 1826 aboliram tarifas preferenciais para Portugal, abrindo o mercado brasileiro aos produtos ingleses. Geopoliticamente, o Império do Brasil posicionou-se como uma monarquia constitucional conservadora, evitando radicalismos republicanos e buscando equilíbrio no Atlântico Sul. Sua política externa focava em reconhecimento diplomático, definição de fronteiras (com vizinhos como Argentina e Uruguai) e neutralidade em conflitos europeus, priorizando o comércio e a estabilidade interna.

Figuras chave incluíam:

  • José Bonifácio de Andrada e Silva (já escrevemos sobre sua historia aqui): Ministro do Reino e dos Negócios Estrangeiros (1822-1823), patriarca da independência, responsável por negociações iniciais e pela redação de manifestos que buscavam legitimidade internacional. Sua visão era de um Brasil monárquico e unido.
  • Dom Pedro I: Como imperador (1822-1831), conduziu a guerra e as diplomacias, enviando emissários à Europa. Sua herança portuguesa facilitou o tratado com o pai, João VI.
  • Maria Leopoldina de Habsburgo: Imperatriz consorte, atuou como regente em 1822 e foi pivotal ao convocar o Conselho de Estado que recomendou a independência, influenciando Dom Pedro com cartas e conselhos diplomáticos.
  • Joaquim Gonçalves Ledo: Jornalista e maçom, líder da facção liberal, promoveu petições e propaganda pela independência, ajudando a mobilizar elites paulistas e cariocas.
  • Frei Joaquim do Amor Divino Caneca: Religioso e jornalista pernambucano, defendeu ideias republicanas e lutou na Confederação do Equador (1824), criticando o centralismo imperial e influenciando debates sobre federalismo.
  • Cipriano Barata: Médico e político baiano, editor de jornais radicais, defendeu a independência e lutou contra o absolutismo, sendo preso por suas ideias liberais.
  • Maria Quitéria de Jesus: Heroína militar baiana, disfarçou-se de homem para combater na Guerra da Independência, simbolizando a participação feminina e popular no processo.
  • Entre os estrangeiros, George Canning, chanceler britânico, foi pivotal na mediação, representando os interesses comerciais da Grã-Bretanha.

A posição externa era de “universalismo moderado”: alianças seletivas (com Grã-Bretanha e EUA), mas distância da Santa Aliança, priorizando a abolição gradual do tráfico de escravos (pressão britânica) e expansão territorial na América do Sul.

Dom Pedro 1º e Maria Leopoldina, sua primeira esposa, que teve papel determinante no processo político que tornou o país independente. A ocasião retratada mostra os dois visitando a Casa Dos Expostos, atualmente o orfanato Romão Duarte no Flamengo (RJ). [Julien Palliere/Agência Brasil]

A Importância de Maria Quitéria no Período da Independência do Brasil

Retrato de Maria Quitéria de Jesus Medeiros, pintado em 1920 por Domenico Failutti. Integra o acervo do Museu Paulista. Essa obra se baseia, por sua vez, no retrato de Augustus Earle publicado no livro Diário de uma viagem ao Brasil (1824) de Maria Graham.

Maria Quitéria de Jesus (1792-1853) é uma figura emblemática da Independência do Brasil, destacando-se como símbolo de coragem e participação feminina em um processo dominado por homens. Nascida na Bahia, ela desafiou as normas de gênero da época ao se disfarçar de homem, adotando o nome “Soldado Medeiros”, para se alistar no exército brasileiro durante a Guerra da Independência (1822-1825). Lutando em batalhas cruciais contra as tropas portuguesas na Bahia, Maria Quitéria demonstrou bravura excepcional, sendo reconhecida por sua habilidade com armas e liderança no campo. Sua atuação não apenas contribuiu para a vitória brasileira, mas também quebrou barreiras sociais, inspirando a inclusão de mulheres em narrativas históricas. Agraciada por Dom Pedro I com a Ordem do Cruzeiro, ela permanece um ícone de resistência e patriotismo, evidenciando que a luta pela independência também teve vozes femininas poderosas.

Curiosidades da História

A independência brasileira guarda segredos que vão além do “Grito do Ipiranga”. Aqui vão alguns fatos menos conhecidos:

  • A Independência Foi “Familiar”: Diferente de outras lutas sangrentas na América Latina, a do Brasil foi declarada pelo filho do rei português, Dom Pedro, contra o pai. Isso tornou o processo uma “separação amigável” entre elites, mas com uma guerra civil interna contra lealistas portugueses que matou milhares em batalhas esquecidas, como a da Bahia.
  • Pagamento pela Liberdade: O Brasil “comprou” sua independência, pagando indenização a Portugal – um valor equivalente a bilhões hoje, financiado por empréstimos britânicos que endividaram o país por gerações. Chocante: isso reforçou a dependência econômica, com a Grã-Bretanha controlando o comércio.
  • O Mito do Grito: A famosa frase “Independência ou Morte!” pode ser exagerada; relatos contemporâneos sugerem que Pedro estava com diarreia no momento, devido a uma infecção, tornando o evento menos heroico do que as pinturas românticas retratam.
  • Cores da Bandeira Não São o Que Parecem: Verde e amarelo não representam florestas e ouro, mas as casas reais: verde para os Bragança (Portugal) e amarelo para os Habsburgo (da imperatriz Leopoldina, austríaca).
  • Impacto no Vaticano: A independência alterou relações com a Santa Sé; o Brasil, católico, precisou negociar reconhecimento papal, que veio só em 1827, destacando tensões entre monarquia e Igreja.
  • Pouco Popular: Diferente de mitos nacionalistas, a independência foi elitista; escravizados e indígenas mal participaram, e rebeliões como a Confederação do Equador (1824) mostraram descontentamento regional, reprimido com violência.

Esses elementos revelam como a independência foi mais um rearranjo de poder entre elites do que uma revolução popular ampla, moldando um Brasil monárquico e dependente economicamente, mas com sementes de debates liberais e federais. A aliança com potências ocidentais influenciou a formação de uma nação voltada para o Atlântico, priorizando comércio e estabilidade, enquanto figuras como José Bonifácio e Maria Quitéria simbolizam a diversidade de vozes – de conservadores a radicais, de homens a mulheres – que construíram a soberania brasileira. Em um mundo ainda marcado por disputas de poder global, entender essa origem nos ajuda a refletir sobre o posicionamento do Brasil no cenário internacional contemporâneo, entre multilateralismo e interesses regionais.

Mais detalhes: História da Independência do Brasil (vol. 137) / O Ano da Independência (vol. 138) / Bicentenário da Independência, Legados e Desafios / Maria Quitéria – Wikipédia, a enciclopédia livre

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