Quando pensamos na ONU, automaticamente lembramos de sua missão de promover a paz e a cooperação entre as nações, mas poucas vezes refletimos sobre os eventos e as figuras que possibilitaram sua criação. O nascimento da ONU está profundamente enraizado no desejo de impedir que tragédias como as das duas guerras mundiais se repetissem. O ponto de partida foi a devastação da Segunda Guerra Mundial. A Liga das Nações, criada após a Primeira Guerra Mundial com o mesmo propósito, havia falhado em manter a paz. Era necessário algo mais robusto e eficaz.
Liderados por Franklin D. Roosevelt (EUA), Winston Churchill (Reino Unido), Joseph Stalin (URSS) e Chiang Kai-shek (China), os aliados vislumbraram, já durante a guerra, a criação de uma nova organização internacional. Em 1941, Roosevelt e Churchill assinaram a Carta do Atlântico, que estabelecia o compromisso de garantir paz e segurança após o conflito. A ideia de uma organização global foi ganhando força nas conferências aliadas de Teerã, Yalta e Dumbarton Oaks.
A conferência decisiva ocorreu em 1945, em São Francisco, onde 50 países se reuniram para redigir a Carta das Nações Unidas, documento que serviria como base para a ONU. Em 24 de outubro de 1945, a ONU foi oficialmente fundada, e essa data ainda é celebrada como o Dia das Nações Unidas. Roosevelt teve um papel fundamental na criação da ONU, mas infelizmente não viveu para ver sua concretização, já que faleceu em abril de 1945. Seu sucessor, Harry Truman, continuou o projeto e garantiu o apoio político necessário.
Como a ONU Atua no Mundo Atual?
Atualmente, a ONU está presente em praticamente todas as áreas que impactam a vida das pessoas no mundo. A atuação da ONU vai muito além de suas reuniões diplomáticas em Nova York. Ela atua diretamente no campo, em áreas de conflito, em crises humanitárias e até mesmo em questões ambientais. A ONU possui várias agências especializadas, fundos e programas que focam em áreas específicas. Entre elas, destaco algumas das mais importantes:
– Manutenção da Paz (Missões de Paz): A ONU envia “capacetes azuis” (forças de paz) para regiões de conflito, com o objetivo de proteger civis, garantir cessar-fogo e apoiar negociações de paz. Essas missões não são invasivas ou de ataque, mas sim de mediação e estabilização. Um exemplo é a missão no Líbano (UNIFIL) ou em países africanos como a República Democrática do Congo (MONUSCO).
– Ajuda Humanitária: Quando ocorrem catástrofes naturais ou conflitos armados, a ONU entra em ação através de organizações como o Programa Mundial de Alimentos (PMA) e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), que fornecem alimentação, abrigo e apoio logístico. A atuação da ONU na Síria, por exemplo, foi crucial para milhões de pessoas que perderam tudo durante a guerra.
– Saúde Global: A Organização Mundial da Saúde (OMS) é uma das agências da ONU que atua na promoção da saúde e combate a doenças globais. A resposta à pandemia de COVID-19, com coordenação global e apoio logístico para distribuição de vacinas, foi liderada pela OMS, que foi peça-chave na distribuição equitativa de doses para países mais pobres.
– Desenvolvimento Sustentável: A ONU tem um papel crucial na promoção do desenvolvimento sustentável por meio da Agenda 2030 e seus 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Esses objetivos buscam erradicar a pobreza, proteger o planeta e garantir prosperidade para todos. É uma atuação estratégica que envolve governos, empresas e a sociedade civil.
Exemplos Marcantes da Atuação da ONU
A ONU tem um histórico extenso de atuação em crises e conflitos globais. Aqui estão alguns dos casos mais emblemáticos que mostram a importância — e os desafios — do trabalho da organização:
– Guerra da Coreia (1950-1953): Um dos primeiros grandes testes para a ONU. Quando a Coreia do Norte, com apoio soviético, invadiu a Coreia do Sul, a ONU interveio, enviando tropas para repelir a invasão e restaurar a paz na península. Essa foi a primeira vez que as forças da ONU entraram diretamente em um conflito militar.
– Missões de Paz na África: A ONU tem uma longa história de presença em missões de paz em países como Ruanda e República Democrática do Congo. No entanto, a missão em Ruanda (1994) é muitas vezes lembrada como um fracasso, pois não conseguiu evitar o genocídio que matou cerca de 800 mil pessoas. Esse episódio gerou uma série de revisões sobre o papel da ONU em prevenir genocídios e garantir a proteção de civis.
– Crise no Oriente Médio: Ao longo das décadas, a ONU tem mediado, sem sucesso definitivo, o conflito Israel-Palestina. A ONU apoiou a criação de Israel em 1948, mas desde então, o conflito com os palestinos permanece um dos mais antigos e difíceis de resolver. A organização continua desempenhando um papel importante em negociações e na entrega de ajuda humanitária.
– Acordo de Paris sobre o Clima (2015): A ONU foi crucial na articulação do Acordo de Paris, um pacto internacional para combater as mudanças climáticas. Esse foi um grande marco da atuação da ONU em uma questão que afeta todo o planeta e mostra como a organização também foca no futuro sustentável.
A Atuação do Corpo Diplomático Brasileiro Durante a Formação e Consolidação da ONU
O Brasil, desde o início, desempenhou um papel de destaque na formação da ONU. É curioso observar como a diplomacia brasileira esteve envolvida diretamente nas discussões e negociações que deram origem à organização, reforçando o compromisso do país com o multilateralismo e a cooperação internacional. Esse papel de liderança nas negociações internacionais continua a ser uma marca da política externa brasileira até hoje.
O Brasil foi um dos 50 países fundadores da ONU e, desde a assinatura da Carta das Nações Unidas em 1945, tem tido uma presença constante e proativa nas iniciativas da organização. Durante a conferência de São Francisco, que definiu as bases da ONU, o Brasil foi representado por uma delegação robusta, liderada por diplomatas experientes como Oswaldo Aranha, figura central da política externa brasileira naquele período.
Oswaldo Aranha, que foi ministro das Relações Exteriores do Brasil e um dos diplomatas mais respeitados do país, teve uma atuação decisiva. Ele representou o Brasil em diversas ocasiões e, mais tarde, foi o presidente da Assembleia Geral da ONU em 1947. É memorável sua condução da sessão que votou pela partilha da Palestina, um episódio que marcou profundamente a história da organização e do Oriente Médio. A liderança de Aranha deu ao Brasil uma visibilidade única na ONU, consolidando a tradição de o país ser o primeiro a discursar nas aberturas da Assembleia Geral, uma tradição que permanece até hoje.
O Brasil, naquele momento, defendeu com veemência a criação de um sistema internacional baseado no respeito à soberania dos Estados, na autodeterminação dos povos e na promoção da paz. A diplomacia brasileira, ao lado de outras nações, contribuiu para que esses princípios fossem incorporados à Carta da ONU, refletindo um ideal de paz e cooperação que ainda guia a política externa do país.
A Influência Brasileira no Sistema ONU
Ao longo dos anos, a atuação diplomática brasileira dentro da ONU só se fortaleceu. O Brasil defendeu questões importantes para o mundo em desenvolvimento, como o desarmamento, a descolonização e a promoção dos direitos humanos. Na década de 1960, o país foi uma voz ativa no debate sobre o fim da colonização na África e na Ásia, defendendo o direito à autodeterminação das nações emergentes.
Outra área em que o Brasil tem se destacado na ONU é na defesa de um maior equilíbrio entre os países desenvolvidos e os em desenvolvimento. O Brasil tem sido uma voz constante em fóruns globais sobre desenvolvimento sustentável e meio ambiente, defendendo, por exemplo, o conceito de “responsabilidades comuns, porém diferenciadas”, durante as negociações da Cúpula da Terra em 1992, no Rio de Janeiro.
O corpo diplomático brasileiro, reconhecido por sua tradição de negociação e construção de pontes entre interesses diversos, também tem desempenhado papel importante em missões de paz da ONU. A liderança do Brasil na Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (MINUSTAH), entre 2004 e 2017, é um exemplo recente e emblemático. O Brasil comandou as forças de paz da ONU no Haiti durante 13 anos, ajudando na estabilização do país após um período de intensa crise política e social. Essa missão projetou a influência brasileira e mostrou a capacidade do país de liderar e mediar conflitos no âmbito internacional.
Desafios e a Busca por Reformas
Apesar de sua contribuição histórica para a ONU, o Brasil, assim como outros países em desenvolvimento, tem levantado a necessidade de reformar o Conselho de Segurança da organização. O Brasil defende a ampliação do Conselho, argumentando que a estrutura atual, com apenas cinco membros permanentes com poder de veto (Estados Unidos, Rússia, China, França e Reino Unido), não reflete mais as realidades geopolíticas do século XXI.
Como um país que se considera uma potência regional e um ator relevante nas questões globais, o Brasil tem sido um forte defensor de sua candidatura a um assento permanente no Conselho de Segurança, ao lado de outras potências emergentes como a Índia, a Alemanha e o Japão. Essa busca reflete a ambição do Brasil de ter uma maior participação nas decisões globais de paz e segurança.
Desde a fundação da organização, passando pelo protagonismo de figuras como Oswaldo Aranha, até o envolvimento ativo em missões de paz e debates sobre desenvolvimento sustentável, o Brasil sempre procurou desempenhar um papel construtivo e de liderança no cenário internacional. Hoje, o país continua a buscar mais representatividade e influência dentro da ONU, especialmente no Conselho de Segurança.
A ONU e o Direito Internacional
A ONU não apenas atua na prevenção e resolução de conflitos, mas também teve um papel decisivo na construção e na aplicação do direito internacional. A Corte Internacional de Justiça (CIJ), que é o órgão judicial da ONU, trata de disputas legais entre Estados e emite pareceres sobre questões jurídicas internacionais. Um exemplo de caso tratado pela CIJ é a disputa entre a Nicarágua e os Estados Unidos nos anos 1980, em que a corte decidiu que os EUA haviam violado o direito internacional ao apoiar os rebeldes contrários ao governo da Nicarágua.
A ONU também foi fundamental na criação de tribunais internacionais, como o Tribunal Penal Internacional (TPI), que julga crimes de guerra, genocídios e crimes contra a humanidade. Esse tribunal foi essencial, por exemplo, nos julgamentos relacionados aos genocídios em Ruanda e na ex-Iugoslávia.
Outro ponto importante é que as resoluções da ONU, especialmente aquelas aprovadas pelo Conselho de Segurança, têm força vinculativa no direito internacional. Isso significa que os países membros devem respeitá-las e implementá-las. No entanto, aqui surge um dilema: muitas vezes, essas resoluções esbarram na falta de cumprimento por parte dos próprios Estados membros. Um exemplo clássico é a resistência de Israel em cumprir algumas resoluções sobre o conflito com os palestinos, especialmente no que diz respeito à ocupação de territórios.
Leituras complementares:
OPERAÇÕES DE MANUTENÇÃO DA PAZ NA ONU (FUNAG)
A Reforma da ONU (Celso Amorim)
A Carta das Nações Unidas | As Nações Unidas no Brasil