ARISTOTELES

O Animal Político ainda vive?

De Aristóteles às disputas de poder do século XXI

Desde que Aristóteles cunhou a expressão zoon politikon — “animal político”, em grego — o mundo passou por transformações radicais. A pólis grega desapareceu, impérios vieram e foram, o capitalismo atravessou revoluções industriais e hoje vivemos imersos em bolhas digitais e guerras culturais. Mesmo assim, a ideia de que o ser humano é, por natureza, um ser político continua firme. E, curiosamente, mais atual do que nunca.

A ideia original: o homem como ser político

Para Aristóteles, viver em sociedade era parte essencial da condição humana. Não se tratava apenas de uma escolha racional, mas de algo natural — tão fundamental quanto comer ou dormir. O homem só realiza plenamente sua natureza quando vive com outros, dialoga, debate e constrói regras comuns.

Aquele que é incapaz de viver em sociedade, ou que dela não necessita por ser autossuficiente, ou é uma besta ou um deus”, escreveu Aristóteles em sua obra Política.

É interessante notar que, para ele, a política não se resumia a governos ou instituições. Ela era, antes de tudo, o espaço da deliberação coletiva, do exercício da razão na vida pública. E esse conceito é fundamental para entender tanto a democracia quanto os conflitos atuais.

E o animal político na era das redes?

O problema é que o espaço público mudou. Se antes ele estava na ágora, na praça ou no parlamento, hoje parece estar diluído em timelines e caixas de comentários. O debate cedeu lugar à performance. A deliberação deu espaço à lacração. E o animal político, que deveria pensar junto com os outros, se expressa por meio de emojis, frases de efeito e teorias mal digeridas.

Ainda assim, a pulsão política continua lá. Pessoas querem participar, opinar, pertencer. Mas o fazem num ambiente moldado por algoritmos, onde a polarização rende mais do que o consenso. O animal político não desapareceu — só anda meio confuso.

Os Estados também são animais políticos

Vale lembrar que a ideia de animal político não se aplica apenas ao indivíduo. Os Estados, enquanto expressões da vontade coletiva, também agem politicamente: projetam interesses, constroem narrativas e travam disputas que muitas vezes parecem mais instintivas do que racionais.

A invasão da Crimeia pela Rússia, em 2014, é um bom exemplo disso. Não se tratava apenas de geopolítica clássica — havia ali uma tentativa de reafirmar uma identidade histórica, de corrigir o que Moscou via como uma “humilhação geopolítica” do pós-Guerra Fria. A ação foi política no sentido mais cru: poder, território e legitimidade.

A invasão da Ucrânia em 2022 apenas ampliou essa lógica. A Rússia, movida por ressentimentos históricos e desejos de influência, retomou o uso da força como instrumento de reposicionamento internacional.

Já a China, com sua expansão econômica e diplomática, também age como um animal político: planeja, seduz, ameaça e constrói poder em frentes múltiplas — do Mar do Sul da China à Rota da Seda. Sua visão é civilizacional e estratégica, mirando o longo prazo.

E os EUA? Ainda são o maior exemplo de um animal político com instinto global. A forma como Washington se comporta revela muito: seja ao apoiar Israel de maneira incondicional, seja ao manter uma presença militar ativa em mais de 70 países, ou ainda ao tentar isolar economicamente adversários por meio de sanções e controle do sistema financeiro global. A política externa americana é uma mistura de valores e interesses — com doses de pragmatismo e arrogância que fazem parte do jogo desde Truman até Biden.

Mesmo quando os EUA promovem intervenções, como no Iraque (2003), ou recuam estrategicamente, como na retirada do Afeganistão (2021), estão expressando os dilemas e as contradições do seu próprio papel como animal político dominante no sistema internacional.

Geopolítica: instinto ou estratégia?

Não se trata apenas de força militar ou acordos comerciais. A política internacional é, no fundo, um palco onde coletividades projetam seus desejos, medos e ambições. O animal político age, recua, morde e seduz — e nem sempre com previsibilidade.

A ascensão do populismo em diversas partes do mundo, por exemplo, também é uma resposta ao esvaziamento da política tradicional. Quando as pessoas sentem que não são ouvidas, tendem a buscar lideranças que “falam a sua língua” — mesmo que essa linguagem seja irracional, autoritária ou fantasiosa.

O mesmo vale para a disputa entre democracia e autoritarismo. No fundo, não é só uma batalha ideológica: é uma disputa por formas de organização da vida coletiva.

E o Brasil nisso tudo?

Por aqui, o animal político vive, mas com crises de identidade. A participação política se manifesta com intensidade — mas também com instabilidade. Oscilamos entre a apatia e o fanatismo. Entre o ceticismo e a crença cega.

Ainda assim, o impulso está vivo. Basta um escândalo, uma eleição ou uma crise para que o brasileiro volte a agir politicamente, mesmo que de forma caótica. A capacidade de mobilização, de articulação e de reinvenção política está presente — mas precisa de espaços mais maduros de expressão.

Conclusão

O animal político não morreu. Ele apenas mudou de roupa, de ferramentas e de linguagem. Está nos protestos, nos conflitos internacionais, nas decisões de consumo, nas redes sociais e até nos memes.

A pergunta que fica é: estamos usando esse instinto para construir algo coletivo ou apenas para reforçar nossos próprios reflexos?

Porque, no fim das contas, o que distingue o animal político da besta ou do deus não é sua força — mas sua capacidade de pensar junto.

Mais detalhes: O naturalismo na Política de Aristótele – Maria Leal Barãos / SciELO Brasil – Aristóteles e o sentido político da comunidade / Aristóteles – Wikipédia, a enciclopédia livre

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