Uma Análise Baseada no Livro “China: O Socialismo do Século XXI”
Para leitores brasileiros ávidos por economia política, em um contexto onde debates sobre modelos econômicos frequentemente opõem o neoliberalismo ocidental a alternativas soberanas, surge uma pergunta recorrente: a China, com seu crescimento vertiginoso e integração global, é capitalista ou socialista? Elias Jabbour e Alberto Gabriele, em China: O Socialismo do Século XXI (Boitempo, 2021), desconstroem o mito do “capitalismo de Estado”, argumentando que se trata de uma formação econômico-social (FES) híbrida: o socialismo de mercado, onde o Partido Comunista Chinês (PCC) garante o domínio público sobre o privado. Criticamente, essa visão, endossada por prefácios de intelectuais brasileiros como Carlos Eduardo Martins (que destaca a “reinvenção do Estado” para erradicação da pobreza), Silvio Almeida (que elogia a coragem em ressignificar o socialismo) e Luiz Gonzaga Belluzzo (que questiona “Capitalismo de Estado ou Socialismo de Mercado?”), oferece lições ao Brasil: em vez de submissão ao capital financeiro global, a China prioriza soberania, utilidade social e planejamento, desafiando narrativas ocidentais que a rotulam como capitalista para justificar sanções. Mas, como veremos, contradições como desigualdades regionais e riscos de corrupção revelam que esse socialismo é um processo dialético, não uma utopia estática.
Por Que a China Não é Apenas um “Gigante Capitalista”? A Hibridização Histórica e Política como Marca Socialista
Historicamente, a China inverteu o declínio iniciado com a Guerra do Ópio (1840-1842), que marcou a subjugação imperialista, e a revolução maoísta de 1949, que estabeleceu o socialismo inicial. Pós-1978, sob Deng Xiaoping, rompeu o isolamento maoísta, reconectando-se ao capitalismo global sem ceder soberania – frustrando expectativas de Richard Nixon e neoliberais de uma vitória ocidental. Essa hibridização, enraizada na reforma agrária de 1978 que liberou excedentes camponeses para industrialização, fundou uma FES onde o mercado serve ao planejamento socialista, não ao lucro privado como no capitalismo clássico.
Economicamente, o crescimento médio de 9,5% ao ano (1978-2020) dobrou o PIB a cada sete anos, elevando-o de US$ 150 bilhões para estimados US$ 19-20 trilhões em 2025, com investimentos estatais em 45% do PIB, financiados por reservas cambiais de US$ 3,3 trilhões e bancos públicos controlando 70% dos ativos. Criticamente, isso não é capitalismo: o critério político, como enfatizam Jabbour e Gabriele, prevalece, com o PCC ancorando a propriedade pública dominante (mais de 80% em setores estratégicos), negando à burguesia privada poder sobre destinos nacionais. Economistas renomados como Justin Yifu Lin, ex-economista-chefe do Banco Mundial, corroboram: a China é uma “economia socialista de mercado”, onde o Estado guia o privado para metas sociais, como a erradicação da pobreza absoluta em 2021, sem recaídas até 2025.
A Arquitetura do Controle: GCEE e SASAC como Pilares do Socialismo Híbrido
O “núcleo duro” do modelo socialista reside nos Grandes Conglomerados Empresariais Estatais (GCEE) e na Comissão de Supervisão e Administração de Ativos do Estado (SASAC, criada em 2003 pela Lei das Companhias de 1993). Historicamente, reformas dos anos 1990 corporatizaram estatais, eliminando empregos vitalícios e “soft budget constraints” (subsídios ilimitados), fundindo 23 mil em 96 GCEE oligopolistas que geram receitas equivalentes à economia japonesa (US$ 5 trilhões) e detêm ~US$ 35-40 trilhões em ativos em 2025. Criticamente, os GCEE não maximizam lucro puro, como no capitalismo: orientam-se por objetivos políticos, como inovação (investimentos em P&D subindo para 2,6-2,8% do PIB em 2025) e catching-up tecnológico, com lucros crescendo apesar da “nova Guerra Fria”.
A SASAC, “manager do socialismo de mercado”, supervisiona ativos não financeiros, nomeando diretores via teoria agente-principal e avaliando pela Fortune 500 (mais de 130 empresas chinesas em 2025, muitas GCEE). Leis como Remessas de Lucros (2007, dividendos até 10%) e reformas 2013-2017 classificam indústrias em “chave” (defesa, energia), “pilar” (química, eletrônicos) e “normal” (agricultura), garantindo controle absoluto em setores vitais. O PCC exerce controle multifacetado: células partidárias obrigatórias (Lei de 2015) em firmas com mais de três membros vetam decisões antissociais, alinhando privadas como Alibaba a planos nacionais via guidance ideológica. Criticamente, isso eleva eficiência (GCEE mais produtivos que privados), mas gera riscos de corrupção e burocracia, como fusões forçadas para resiliência geopolítica – uma tensão que, segundo think tanks como CSIS, diferencia o “algo mais” chinês do capitalismo puro.
A Lei das Empresas Estatais: Pilar Dialético do Socialismo com Características Chinesas
A “Lei das Empresas Estatais” – principalmente a Lei das Empresas Industriais de Propriedade do Povo Inteiro (1988) e a Lei das Companhias (1993, revisada 2005/2023) – é um pilar dialético, transformando SOEs em GCEE eficientes sem abdicar do controle socialista. Jabbour e Gabriele veem-nas como catalisadores para hibridização, elevando eficiência enquanto priorizam o público. Criticamente, impulsionam crescimento (PIB de US$ 1,2 trilhão em 2000 para US$ 19-20 trilhões em 2025), mas expõem tensões: burocracia e corrupção questionam se é inovação socialista ou adaptação capitalista.
Das crises maoístas (pós-Revolução Cultural, SOEs dominando 77% da produção mas ineficientes) às reformas denguistas, a lei de 1988 concedeu autonomia gerencial (artigo 2) mantendo propriedade coletiva (artigo 3). A de 1993 acelerou corporatização, com revisão 2023 (efetiva 2024) reforçando deveres fiduciários e a Lei de Promoção da Economia Privada (2025) equilibrando incentivos privados com subordinação estatal. Economicamente, reduziu SOEs de 102.200 (1994) para 197 GCEE (2003), concentrando ativos em US$ 35-40 trilhões, com P&D em 2,6-2,8% do PIB. O livro critica custos sociais: 70 milhões de demissões nos 1990s revelam contradições eficiência-equidade.
O controle multifacetado ancora o PCC como “ator gerenciador”: artigo 8 (1988) exige obediência partidária, artigo 13 (revisão 2018) integra células em conselhos. A SASAC supervisiona US$ 26-35 trilhões, classificando SOEs. Leis complementares elevam produtividade (GCEE: 40% PIB industrial), mas alertam para dependência geopolítica (sanções a Huawei). Profundamente, reinventam o Estado como “empreendedor em chefe”, priorizando utilidade social – elogiado no livro como evasão ao capital fictício.
Conclusão: A China é Socialista ou Capitalista? Uma Síntese Dialética do Modelo Chinês
A China não se encaixa em rótulos simples como “capitalista” ou “socialista puro”. Segundo Elias Jabbour e Alberto Gabriele em China: O Socialismo do Século XXI, trata-se de uma formação econômico-social (FES) híbrida: o socialismo de mercado, uma reinvenção dialética do marxismo para o século XXI. Criticamente, isso rejeita a submissão ao capitalismo ocidental, priorizando uma estratégia soberana onde o Partido Comunista Chinês (PCC) faz o mercado servir ao bem-estar coletivo, não ao lucro privado descontrolado.
O critério definidor é político: no capitalismo, o poder econômico privado domina o Estado; na China, o PCC inverte essa lógica, ancorando a propriedade pública (via GCEE e SASAC) e subordinando o setor privado (60% do PIB, mas auxiliar) a metas sociais. Essa hibridização impulsiona crescimento (9,5% médio anual de 1978-2020) e conquistas como a erradicação da pobreza para 800 milhões, mas revela contradições: desigualdades regionais, corrupção partidária e tensões geopolíticas na “nova Guerra Fria”, vistas como desafios dialéticos, não falhas inerentes.
Para os autores, é socialismo evoluído: a Nova Economia do Projetamento (NEP) supera a anarquia capitalista, focando na utilidade social sobre acumulação egoísta. Criticamente, a sustentabilidade exige resolver desigualdades e evitar autoritarismo econômico. Não é um sistema perfeito, mas prova que o socialismo renasce como alternativa viável ao neoliberalismo, inspirando caminhos soberanos. Recomendo o livro para explorar essa dialética.