A Crise do Fentanil: O Papel da China, os Desafios dos EUA e a Dinâmica Internacional
O fentanil, um opioide sintético até 50 vezes mais potente que a heroína e 100 vezes mais forte que a morfina, tornou-se o principal motor da epidemia de opioides, especialmente nos Estados Unidos. Em 2023, mais de 80 mil americanos morreram por overdoses de opioides, com o fentanil e seus análogos ligados à maioria dessas mortes. A potência da droga — onde apenas 2 miligramas podem ser letais — a torna devastadora, frequentemente misturada a outras substâncias, como heroína ou pílulas falsificadas, sem o conhecimento dos usuários. Além dos EUA, o fentanil está se espalhando, com uso crescente em países como Canadá, México e partes da Europa, sinalizando uma crise global de saúde pública.
O baixo custo de produção e a alta potência do fentanil o tornam atraente para traficantes. Sua natureza sintética permite sua fabricação em laboratórios clandestinos, contornando as limitações agrícolas de drogas tradicionais como a heroína. No entanto, sua cadeia de suprimento ilícita, especialmente sua origem na China e as rotas de tráfico através do México, tornou-se um ponto central de tensões geopolíticas, com implicações significativas para a política dos EUA e a cooperação internacional.
Desafios nas Fronteiras: O Fluxo do Fentanil para os EUA
Os Estados Unidos enfrentam grandes desafios para conter o fluxo de fentanil através de suas fronteiras. Mais de 90% do fentanil interceptado entra por portos oficiais de entrada, principalmente em veículos conduzidos por cidadãos americanos na fronteira com o México. Cartéis mexicanos, como o Cartel de Sinaloa e o Cartel Jalisco Nueva Generación, dominam a produção e o contrabando de fentanil para os EUA, usando precursores químicos frequentemente obtidos da China. Esses precursores são enviados ao México, onde são sintetizados em fentanil em laboratórios clandestinos antes de serem contrabandeados para o norte.
O Serviço de Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA (CBP) intensificou esforços para interceptar o fentanil, empregando análises avançadas de dados e inteligência para rastrear redes de contrabando. Operações como Plaza Spike e Apollo visam as cadeias logísticas dos cartéis e os suprimentos de precursores, mas o grande volume de tráfego transfronteiriço e a potência da droga — onde pequenas quantidades causam grandes danos — dificultam a interdição. Além disso, o fentanil às vezes é enviado diretamente aos EUA por correio internacional, explorando isenções como a regra de minimis, que permite que pacotes de baixo valor escapem de verificações rigorosas.
Países vizinhos desempenham papéis variados. O México, principal condutor do fentanil, enfrenta críticas por cooperação inconsistente. Sob o ex-presidente Andrés Manuel López Obrador, com sua abordagem de “abraços, não balas”, o México foi acusado de leniência com os cartéis, embora a atual presidente Claudia Sheinbaum tenha lançado campanhas contra o fentanil. O Canadá, apesar de envolvimento mínimo no contrabando para os EUA, enfrenta sua própria crise de fentanil e reprimiu a produção doméstica, especialmente na Colúmbia Britânica. No entanto, a presença de cartéis mexicanos no Canadá levanta preocupações sobre seu crescente papel nas redes regionais de drogas.
O Papel da China na Produção e Tráfico de Fentanil
A China é uma das principais fontes de precursores químicos do fentanil, frequentemente produzidos legalmente por pequenas empresas químicas e desviados para mercados ilícitos. Precursores como 4-AP, 1-boc-4-AP e norfentanil são essenciais para a síntese do fentanil e são enviados ao México para processamento pelos cartéis. A indústria química e farmacêutica da China, apoiada por subsídios governamentais, tem alimentado esse comércio, com algumas empresas anunciando precursores abertamente online e oferecendo rotulagem falsa para evitar detecção.
Até 2019, a China era uma fonte primária de fentanil pronto, enviado diretamente aos EUA, muitas vezes por correio internacional. Após pressão diplomática dos EUA, a China regulamentou toda a classe de substâncias relacionadas ao fentanil em 2019, uma medida rara globalmente para impor controles rigorosos. Isso levou a uma queda acentuada nos envios diretos, mas os traficantes se adaptaram, redirecionando precursores pelo México e, crescentemente, pela Índia. Redes criminosas chinesas também fornecem serviços de lavagem de dinheiro para os cartéis, complicando ainda mais a repressão.
Apesar desses desafios, a China tomou medidas para conter a produção ilícita. Em 2024, adicionou três precursores-chave do fentanil à sua lista de substâncias controladas, exigindo licenças de exportação e maior fiscalização. As autoridades chinesas realizaram operações contra corretores químicos, fechando milhares de sites e lojas envolvidos na venda de precursores. No entanto, críticos argumentam que a fiscalização é inconsistente, com algumas empresas ligadas a autoridades governamentais e a corrupção sistêmica dificultando as repressões. Especialistas como John Coyne chamaram as regulamentações da China de “manobra de relações públicas”, citando a contínua disponibilidade de produtos químicos de uso duplo não regulamentados.
Controle de Drogas na China e Regulação do Fentanil
O problema doméstico do fentanil na China é mínimo em comparação com os EUA, com apenas 14 casos relatados de abuso de fentanil em Pequim entre 2005 e 2009. O governo chinês mantém políticas rigorosas de controle de drogas, com o Conselho de Estado, o Ministério da Segurança Pública e a Administração Nacional de Produtos Médicos supervisionando a regulação de narcóticos. Desde 2015, a China controla 170 substâncias psicotrópicas, incluindo 25 análogos do fentanil e dois precursores, expandindo essa lista em 2019 para cobrir todas as substâncias relacionadas ao fentanil.
As leis antidrogas da China estão entre as mais duras do mundo, com penalidades severas para tráfico e uso. O tráfico de drogas pode levar a penas de prisão perpétua ou até à pena de morte, e mesmo a posse em pequena escala pode resultar em longas penas de prisão. Campanhas públicas e sistemas de vigilância generalizados auxiliam na fiscalização, visando a produção, contrabando e abuso ilegais. No entanto, o foco da China permanece no controle doméstico, e ela resiste aos pedidos dos EUA por regulamentações de “Conheça Seu Cliente” (KYC) para evitar a exportação de precursores para grupos criminosos, argumentando que muitos produtos químicos têm usos legítimos.
A China insiste que a crise de opioides nos EUA decorre de problemas domésticos, como prescrição excessiva e fatores culturais, e não de suas cadeias de suprimento. Essa postura tensionou a cooperação, especialmente quando a China suspendeu negociações antidrogas em 2022 após a visita da ex-presidente da Câmara dos EUA, Nancy Pelosi, a Taiwan, embora o diálogo tenha sido retomado em 2023.
A Posição do Governo Trump e Suas Políticas
O presidente Donald Trump, em seu segundo mandato iniciado em 2025, priorizou o combate ao fentanil como uma emergência nacional, classificando-o como uma ameaça à segurança nacional, à saúde pública e à economia dos EUA. Em 1º de fevereiro de 2025, Trump impôs uma tarifa de 10% sobre bens chineses e de 25% sobre bens mexicanos e canadenses, citando sua falha em conter o fluxo de fentanil. Ele acusou a China de subsidiar e incentivar a exportação de precursores, alegando que o Partido Comunista Chinês é cúmplice da crise.
A retórica de Trump frequentemente exagera a escala da crise, com afirmações de “dezenas de milhões” de mortes que especialistas refutam, observando uma queda nas mortes por overdose de 90 mil em 2023 para menos de 90 mil até outubro de 2024. Sua estratégia de tarifas visa pressionar a China e o México, mas arrisca minar a cooperação existente, com a China alertando que as tarifas podem interromper esforços antidrogas. Críticos argumentam que essas medidas, combinadas com a pausa de Trump na assistência externa, já interromperam o trabalho contra o fentanil no México.
O plano mais amplo de Trump inclui expandir uma declaração de emergência nacional para atingir instituições financeiras chinesas e mexicanas que lavam dinheiro dos cartéis, aumentar recompensas por traficantes e empregar guerra cibernética contra os cartéis. O governo também pressionou por sanções contra empresas chinesas, com indiciamentos como o da Hubei Aoks Bio-Tech Co. Ltd. em 2024 sinalizando uma abordagem linha-dura.
Implicações Geopolíticas e o Caminho Adiante
A crise do fentanil destaca as complexidades da cooperação internacional no combate ao crime transnacional. Embora a China tenha reforçado regulamentações e cooperado em alguns aspectos, sua resistência às leis KYC e a fiscalização inconsistente permanecem pontos de atrito. O papel do México como centro de manufatura e o envolvimento crescente, embora mínimo, do Canadá destacam a necessidade de esforços multilaterais, como o Comitê Trilateral de Fentanil EUA-Canadá-México.
A postura agressiva do governo Trump, incluindo tarifas e sanções, pode gerar pressão de curto prazo, mas arrisca alienar parceiros cruciais para interromper cadeias de suprimento. Especialistas sugerem que o progresso sustentado exige incentivar a China por meio de engajamento diplomático, fortalecer as capacidades de inteligência e interdição dos EUA e abordar a demanda doméstica por meio de prevenção e tratamento. Mesmo com uma cooperação robusta, a adaptabilidade dos traficantes e a disponibilidade global de precursores significam que a crise persistirá, potencialmente mudando para outras regiões, como Índia ou África do Sul.
A epidemia de fentanil é um lembrete claro de que nenhuma nação pode enfrentar tal crise sozinha. Equilibrar responsabilidade com cooperação será crucial para reduzir a devastação causada por essa droga mortal.
Mais detalhes: Why are fentanyl seizures dropping in the United States? – The Washington Post / As China Looks for Way Out of U.S. Trade Deadlock, Fentanyl Could Be Key – The New York Times / Trump Administration Ties Tariffs to Fatal Fentanyl Overdoses, Which Are Declining – The New York Times / Fixing the US and China’s Fentanyl Blame Game – Bloomberg / Exclusive: US-China fentanyl talks hang by thread amid trade war | Reuters / Trump says Canada, Mexico tariffs on schedule despite border, fentanyl efforts | Reuters / China is taking issue with Trump’s move to link tariffs to fentanyl | AP News / How a Chinese Prison Helped Fuel U.S. Fentanyl Crisis — ProPublica / From Mexico cartel safe house to US streets: BBC tracks deadly fentanyl targeted by Trump tariffs / China ready to fight fentanyl and illegal immigration with US, top police chief says | South China Morning Post / China says fentanyl issue is responsibility of the United States | Reuters China’s 2019 fentanyl embargo led to drop in US overdoses, study finds | South China Morning Post / China’s 2019 fentanyl embargo led to drop in US overdoses, study finds | South China Morning Post